segunda-feira, 11 de abril de 2011

O Status Científico da Parapsicologia ( 6ª parte )

Apesar disso...
A Pesquisa Psíquica, nome dado à disciplina que tinha como finalidade pesquisar experiências consideradas anômalas, nasceu no final do século XIX, com a fundação da Society for Psychical Research(SPR), em Londres, em 1882, no contexto da ciência clássica. Os fundadores da SPR se opuseram à noção clássica da ciência e devotaram esforços para verificar a realidade das alegações de pessoas que se diziam possuidoras de capacidades parapsicológicas. Henri Sidgwick, primeiro presidente da SPR, assim se manifestou no discurso inaugural da mesma:

"Por que constituir uma sociedade de investigações psíquicas neste momento para pesquisar não apenas o fenômeno de leitura do pensamento, mas também o de clarividência e mesmerismo, e inclusive a obscura massa de fenômenos comumente chamados espíritas? Todos devemos estar em acordo que o presente estado de coisas é um escândalo para a época iluminada em que vivemos. Mantém-se a discussão sobre a realidade destes maravilhosos fenômenos, cuja importância científica não pode ser exagerada se apenas uma décima parte do alegado por testemunhos dignos de crédito fosse certo. Declaro que é escandaloso que subsista a discussão sobre a realidade destes fenômenos quando tantos testemunhos competentes afirmaram neles acreditar, quando tantos outros estão profundamente interessados em elucidar a questão, não obstante a atitude de incredulidade que adotou a totalidade do mundo culto. Agora, nosso primeiro objetivo, o fim que perseguimos todos unidos, seja como crentes ou como incrédulos, é o de realizar uma tentativa segura e sistemática para pôr fim, dum ou doutro modo, a este escândalo. Algumas das pessoas às quais me dirijo, sentem sem dúvida, que esta tentativa pode levar unicamente à demonstração destes fenômenos; outras acreditam que o mais provável é que a maioria deles, se não todos, sejam rejeitados; mas, como membros desta associação, não assumimos compromisso de nenhuma espécie e concordamos em que qualquer investigação que façamos em particular, deve realizar-se com o único fim de determinar os fatos e sem chegar a nenhuma conclusão pré-concebida sobre sua natureza". (Citado em Fantoni, 1981)

William Crookes, grande físico e químico do século XIX, foi criticado pelos cientistas de sua época por estudar fenômenos parapsicológicos. Diziam-lhe que estes fenômenos eram impossíveis e que, portanto, deixasse de estudá-los. Crookes, então, lhes disse: "Eu não digo se eles são possíveis ou impossíveis. Eu digo que eles existem". A resposta de Crookes nos dá conta de que a posição dos cientistas pode estar atrelada às concepções científicas aceitas em certo momento histórico. As palavras de Crookes e Sidgwick mostram um certo grau de descompromentimento com as concepções científicas, em favor do espírito científico de estudar o que se apresente ao cientista. Na verdade, o que está em questão é até que ponto os cientistas estão isentos das concepções científicas de seu tempo.
Algumas mudanças nos postulados científicos ocorridas durante o século XX foram fundamentais para o questionamento da ciência clássica, ou newtoniana-cartesiana e como preparação para a aceitação de anomalias como as parapsicológicas. A verificação de que há uma certa descontinuidade na história da ciência, ofereceu aos cientistas uma dose de humildade e desconfiança em relação aos processos científicos, muitas vezes vistos como inquestionáveis.
A análise histórica que Thomas Khun (1962) faz da ciência é fundamental para verificarmos quais são as relações entre o conhecimento científico, a aceitação de anomalias em dado momento histórico e o poder. Entre outras postulações, Khun define anomalia como o fenômeno para o qual não há teoria científica disponível aceita em consenso em dado momento histórico. Segundo Khun, a "ciência normal" a princípio rejeitaria tais anomalias como legítimas. Posteriormente, graças à presença contínua das anomalias, estas são, então, incorporadas às teorias vigentes, que sofrem certa transformação, de forma a acomodar as anomalias. Tais transformações não implicam em alteração substancial da teoria, apenas ajustes periféricos. Como novas anomalias são identificadas e como simples acomodações teóricas passam a ser insustentáveis, novas teorias surgem, em um processo de "revolução científica", em que "ciências emergentes" passam a ser ciências normais graças à aceitação de seus postulados.
A resistência na aceitação de anomalias é fundamental para a estabilidade interna do processo científico. A rejeição de anomalias tem como parâmetro a teoria vigente. A análise de Khun demonstra que a ciência não trabalha com regras simples e que os cientistas estão comprometidos com seu paradigma. Livros-texto são produzidos informando aos neófitos os conhecimentos legítimos; apoio financeiro é dado aos trabalhos que sustentam, direta ou indiretamente, o paradigma vigente; resultados experimentais anômalos são rejeitados como sendo produtos de erros de metodologia... Khun exemplifica a força do paradigma com a órbita de Urano, no século XIX.

"... os astrônomos reconheceram que a órbita de Urano, quando calculada sob os princípios de Newton, não cabia nas observações. Entretanto, a razão para essa discrepância poderia ser que um outro planeta, desconhecido naquele momento, estaria exercendo uma força gravitacional sobre Urano e causando seu desvio da órbita esperada, da mesma forma como a observação mostrava. Baseados nesta hipótese, os astrônomos predisseram o tamanho do planeta desconhecido e sua localização e observações posteriores de fato confirmaram que o planeta, Netuno, existia. É desnecessário dizer que isto foi uma dramática confirmação dos princípios newtonianos. Entretanto, uma situação exatamente análoga a essa noticiou que havia uma disparidade entre a teórica órbita de Mercúrio e a órbita realmente observada. Novamente, os astrônomos tomaram esse caso como mais um quebra-cabeça a ser resolvido através da estrutura teórica newtoniana, predizendo a existência de um outro planeta a ser descoberto. Neste caso, a fé de que o problema poderia ser resolvido pela mecânica newtoniana estava mal embasada, já que apenas com a introdução da matemática prevista pela teoria geral da relatividade é que cálculos precisos sobre a órbia de Mercúrio puderam ser feitos". (Citado em Edge et al., 1986)

 


Um outro fator fundamental para a mudança da visão tradicional ou clássica de ciência foi a mudança da noção de percepção. O filósofo Immanuel Kant questionou a visão clássica de percepção já no século XVIII. Para Kant, a mente não era uma espécie de espelho que apenas recebia os estímulos do meio tal qual eles se apresentavam na realidade. Antes, a mente estava ativa, influenciando no que era percebido, através de ‘categorias’, filtros através dos quais percebemos.
Da mesma forma, mais modernamente, a Psicologia é fundamental para o reconhecimento da complexidade do fenômeno da percepção. A Psicologia da Gestalt, por exemplo, reconheceu o papel do observador no processo de percepção, afirmando que sempre há um envolvimento da constituição psíquica do sujeito, um mecanismo de ação e não apenas de coleta de dados. A Psicanálise foi importante por mostrar que tendemos a construir a realidade conforme nossos desejos. (Freud, 1981) Piaget, com sua Epistemologia Genética, demonstrou que a construção do conhecimento é um processo complexo e jamais unilateral. (Piaget, 1969)
Como foi visto na sessão anterior, a visão clássica de ciência, tomou como parâmetro de análise o desenvolvimento da Física. Quando se afirma que a filosofia científica clássica é newtoniana-cartesiana, se está reconhecendo, de certa forma, a importância que esta ciência tem sobre as noções do que é ou não científico. A Física parece representar uma espécie de diapasão, sob a égide do qual a orquestração científica ocidental deve estar embasada. Talvez mais importante do que o reconhecimento da descontinuidade da história da ciência e a mudança na visão de percepção, as novas formulações da Física foram fundamentais para a mudança da visão clássica de ciência. A nova Física, baseada na Teoria da Relatividade de Albert Einstein, e na Mecânica Quântica de Max Planck, revolucionou não apenas as concepções da Física Clássica, mas também a história do pensamento do século XX.
A nova Física questionou o atomismo promovendo a noção de ‘funções contínuas’, rejeitou a aceitação de invariáveis físicas, aceitando a relatividade ou inter-dependência entre tempo e espaço, e reintroduziu a consciência como importante fator na observação, sustentando que o observador influencia o observado.
Os fatores de questionamento das concepções da visão clássica de ciência apresentados foram suficientes para predispor os cientistas atuais para uma aceitação de anomalias como as parapsicológicas? A resposta a esta pergunta não é simples. Por um lado, como foi apresentado, há críticos cujos argumentos parecem estar alinhados à visão tradicional ou clássica de ciência. Por outro lado, é inegável que a Parapsicologia conquistou certo espaço científico. Assim, não se pode dizer que haja uma aceitação integral da Parapsicologia nos meios científicos, da mesma forma que seria incorreto dizer que há rejeição.
A análise do sociólogo James McClenon em seu livro Deviant Science: The Case of Parapsychology, pode ser útil para se compreender os processos de aceitação e rejeição da Parapsicologia do contexto científico. McClenon sustenta que a rejeição por parte dos cientistas se dê por conta da impregnação do cientismo na mentalidade científica. Ele define cientismo como "o corpo de idéias usadas para legitimar a prática da ciência. Essa idéias são usadas para avaliar alegações de anomalias em termos de atitudes existentes na ciência institucionalizada". (McClenon, 1984, p. 222) Os cientistas definem o que é ou não ciência a partir do cientismo, que prevê que anomalias devem ser investigadas apenas quando puderem ser repetidas, investigadas em laboratório e permitirem explicações de tipo mecanicista. Segundo McClenon, a aceitação da Parapsychological Association (PA) como membro da American Association for Advancement of Science (AAAS), em 1969, não se deveu à aceitação das anomalias estudadas pela Parapsicologia, mas pelo papel desempenhado por aspectos políticos e retóricos que envolveram tal aceitação. Antes da aprovação em 1969, a afiliação da PA à AAAS havia sido negada por quatro vezes, em 1961, 1963, 1967 e 1968. Na verdade, a Parapsicologia não sofreu qualquer importante alteração de 1961 a 1969. O que aconteceu? Em primeiro lugar, Douglas Dean, um ex-presidente da PA e, então, secretário dessa associação, havia empreendido cuidadosos esforços para melhorar as estratégias retóricas dos membros da PA antes das audiências. Dean tratou de apresentar a proposta da PA de forma aceitável do ponto de vista científico. Além disso, em 1969 houve quatro pronunciamentos antes da votação dos membros da AAAS. O primeiro foi contrário à aceitação da PA, alegando que os fenômenos que a Parapsicologia dizia estudar não existiam, portanto não havia trabalho científico a fazer. O segundo dava conta de que a pessoa não conhecia suficientemente a Parapsicologia a ponto de votar a respeito. O terceiro não foi identificado. O quarto foi feito por H. Bentley Glass, presidente da AAAS:

"O Comitê do Conselho considerou o trabalho da PA por um longo período. O comitê chegou à conclusão de que esta é uma associação que está investigando fenômenos controvertidos ou inexistentes; entretanto, está aberta à afiliação de críticos e agnósticos; e eles ficaram satisfeitos porque ela usa métodos científicos de pesquisa; assim, essa investigação pode ser vista como científica. Além disso, informações chegaram até nós dando conta de que o número de Membros da AAAS que são também membros da PA não é de quatro como se encontra na agenda, mas nove". (McClenon, 1986, 128)

Segundo McClenon, "Glass apresentou exemplos das mais importantes estratégias retóricas dos parapsicólogos (o uso da metodologia científica, metamorfose)." Após a fala de Glass, ele perguntou se mais alguém gostaria de se pronunciar. A conhecida e respeitada antropóloga Margareth Mead tomou, então, a palavra:

"Nos últimos dez anos nós temos estado debatendo o que constitui a ciência e o método científico e o que as sociedades usam disso. Nós até mesmo mudamos nossos estatutos a respeito disso. A PA usa estatística e julgamento cego, placebos, julgamento de duplo-cego e outros expedientes científicos padrão. A ampla história do desenvolvimento científico está repleta de cientistas investigando fenômenos que o ‘establishment’ não acreditava que existissem. Eu proponho para análise que nós votemos em favor do trabalho da associação". (McClenon, 1984, p. 182)

A votação teve como resultado a aceitação da PA como membro da AAAS, por cerca de 160 a 180 votos favoráveis contra entre 30 a 35 desfavoráveis. (McClenon, 1984)
McClenon reafirma:

"O opoio do voto de afiliação ilustra os aspectos políticos do processo de argumentação. Apesar de os parapsicólogos não utilizarem novas estratégias retóricas (por exemplo, um experimento replicável ou uma orientação teórica mais importante), eles desenvolveram a habilidade política necessária para apresentar seus argumentos. A influência de Dean em favor da causa dos parapsicólogos foi instrumental na conquista da afiliação da PA. O apoio de Margaret Mead também deve ser considerado importante". (McClenon, 1984, p. 113)

Os exemplo acima demonstra que a instituição ‘ciência’, enquanto instituição humana, está à mercê de aspectos subjetivos. Vemos que a aceitação da Parapsicologia como campo científico legítimo passa, sobretudo, por questões ideológicas, filosóficas e de poder. O Dr. Stanley Krippner afirma que:

"Alguns escritores tomaram a posição de que a Pesquisa Psíquica não se qualifica como ciência, mas esta avaliação depende dos pressupostos que eles fazem sobre o trabalho científico." (MacLellan, 1995)

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