segunda-feira, 11 de abril de 2011

O Status Científico da Parapsicologia ( 5ª parte )

Ciência e Parapsicologia
A ciência pode ser definida como "uma das formas de conhecimento produzido pelo homem no decorrer de sua história" (Andary et al., 1988). E caracteriza-se "por ser a tentativa do homem entender e explicar racionalmente a natureza, buscando formular leis que, em última instância, permitem a atuação humana". (Andary et al., 1988)
Apesar da definição acima poder ser considerada suficiente para uma introdução ao tema, está longe de ser completa e ser admitida em consenso pelos filósofos da ciência. Existem muitas abordagens filosóficas e muitos critérios e concepções de avaliação do que é ou pode ser considerado científico.
Para o objetivo deste trabalho, serão apresentadas, a princípio, algumas abordagens que caracterizam o que pode ser chamado de "a visão clássica" de ciência. Posteriormente será discutido, o conceito de cientismo, cujas raízes encontram-se fincadas sobre a concepção clássica de ciência. O cientismo servirá como base de reflexão sobre a cientificidade da Parapsicologia e novos paradigmas serão trazidos à discussão para resolver possíveis impasses.
A ciência enquanto disciplina independente é uma criação do homem moderno. As bases epistemológicas sobre as quais a visão científica moderna se estabeleceu podem ser encontradas nas postulações de alguns filósofos e cientistas modernos, como Galileu Galilei, René Descartes, Francis Bacon e Isaac Newton, entre outros. Stanislav Grof, ao discutir as fundações da ciência ocidental, afirma que

"durante os três últimos séculos, a ciência ocidental foi dominada pelo paradigma newtoniano-cartesiano, um sistema de pensamento baseado no trabalho do cientista inglês Isaac Newton e pelo filósofo francês René Descartes". (Grof, 1988)

Quais seriam as seriam as características do pensamento newtoniano-cartesiano? A ciência ocidental herdaria de Newton a visão mecânica do universo, constituída, dentre outras características: do atomismo; da noção de tempo absoluto e independente do mundo material; e da noção de causa e efeito. A partir da noção de átomo, já presente entre os gregos, sobretudo em Demócrito, Newton sustentou que tudo quanto existe no universo é composto por partículas materiais indivisíveis, cujo comportamento seria regido por leis físicas precisas, capazes de determinar o funcionamento íntimo da matéria. Em relação ao tempo, propôs sua autonomia do mundo material, apresentando um fluxo contínuo e imutável, do passado em direção ao futuro. O universo estaria submetido às leis de causa e efeito: toda ação física é acompanhada de um efeito previsível sobre o mundo material. A noção de causa e efeito estava na base da ação da força gravitacional, exercida tanto entre os corpos celestes quanto entre os átomos e na base de sua concepção de ciência. Todos os fenômenos presentes podem ser compreendidos como o resultado de causas materiais identificáveis no passado.

"A imagem do universo resultante é a de um relógio gigantesco inteiramente determinístico. As partículas movem-se de acordo com leis eternas e imutáveis, e os eventos e processos do mundo material consistem em cadeias de causas e efeitos interdependentes". (Grof, 1988)

Ora, se as leis naturais são deterministas, podemos reproduzir a cadeia causa-efeito para obter um dado fenômeno. A reprodução experimental se tornou um importante instrumento de compreensão da natureza e um valioso parâmetro paraverificar a cientificidade de uma disciplina.
Uma das mais importantes contribuições do filósofo francês René Descartes para a formulação da ciência ocidental foi sua afirmação do dualismo existente entre mente (res cogitans) e matéria. (res extensa). O dualismo cartesiano implica em que o conhecimento é possível a partir do conhecimento objetivo do universo. O mundo material era compreendido como uma realidade em si mesma, passível de ser apreendida, utilizando-se o método correto. Descartes instaura, assim, a premissa da objetividade, ou seja, da autonomia entre o observador e a realidade.
Além das características da ciência moderna, Hoyt L. Edge e Robert L. Morris (Edge et al, 1986), apontam outro importante postulado da ciência do século XVII: a observação como um espelhamento. Os autores referem-se ao filósofo empirista John Locke. Ao contrário de Descartes, que estava consciente das deficiências da percepção humana como meio de conhecer a realidade, Locke sustentava que a partir dos sentidos o ser humano conheceria o mundo material. Locke comparava a mente a um espelho, ou a uma folha de papel em branco. Em contato com o mundo material por meio dos sentidos, a mente seria tocada pelos traços da realidade. A observação, como uma espécie de espelhamento da realidade, seria um método eficaz e suficiente para apreender a realidade tal qual ela é. A máxima de Locke, "Nihil est in intellectu quod no antea feurit in sensu" (Locke, 1823), está relacionada com a questão do conhecimento da realidade.
Edge e Morris se referem ainda a um outro importante postulado da ciência do século XVII: a distinção entre distinção primária e secundária.

"A matéria é essencialmente átomos em movimento, cujas dimensões de tamanho e velocidade são mensuráveis. Isto significa que há alguns atributos da matéria que são inatos e essenciais para isso - as qualidades primárias de solidez, extensão, quantidade, movimento, sobra e número. Por outro lado, há qualidades secundárias que não descrevem a natureza inerente do mundo material". (Edge et al., 1986)

Isto implica que algumas qualidades são percebidas apenas indiretamente, pela mente, por exemplo. Seria o caso das cores, dos sons, dos gostos e dos cheiros. A ciência estudaria apenas as qualidades primárias, já que são diretamente mensuráveis. As qualidades secundárias apenas poderiam ser objeto de investigação científica quando houvesse um meio de substituir a sensação por algum parâmetro objetivo. Por exemplo, substitui-se a sensação ‘quente’ ou ‘frio’, pela medição objetiva da temperatura através de um termômetro. Como conseqüência disso, algumas experiências humanas poderão não figurar como objeto de estudo da ciência, ou seja, não seriam objetos legítimos de estudo, por não se enquadrarem no método de investigação proposto pela ciência.
A dicotomia sujeito/objeto, a distinção primária e secundária, a observação como espelhamento, a existência de leis deterministas absolutas, a replicação e o atomismo podem ser considerados como os pressupostos que formam a base do pensamento científico moderno. A utilização de tais postulados foi, até certo ponto, fundamental para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Nas palavras de Grof:

"O modelo newtoniano-cartesiano, em suas numerosas ramificações e aplicações, provou seu sucesso em diversas áreas do conhecimento, tendo proporcionado uma explicação compreensiva dos mecanismos básicos do sistema solar e sendo eficazmente aplicado para a compreensão do movimento contínuo dos fluidos, da vibração dos corpos elásticos e da termodinâmica. Constitui-se como base e força propulsora dos incríveis progressos das ciências naturais dos séculos dezoito e dezenove". (Grof, 1989)

Delineado o modelo da ciência clássica, poderia-se perguntar: a Parapsicologia, desde o ponto de vista da ciência clássica, pode ser considerada uma ciência? A resposta é não. Em primeiro lugar, a Parapsicologia estuda experiências humanas. Experiências não seriam um objeto legítimo de estudo científico porque não são diretamente observáveis. O aspecto subjetivo da experiência anularia sua investigação.
Em segundo lugar, tais experiências nem sempre permitem medição. Experiências, subjetivas por definição, nem sempre podem ser transformadas em valores numéricos ou ser apreendidas por equipamentos que permitam tornar objetivas as vivências e sensações do sujeito.
Em terceiro lugar, muitas das experiências que a Parapsicologia estuda podem implicar na interação entre a mente e a matéria, ou mesmo entre mentes. Esta característica colocaria em cheque o pressuposto de que o mundo material e a mente são autônomos, já que poderia haver alguma forma de interação entre sujeito e objeto, diferentes das interações previstas, ou seja, por meio diferente dos sentidos.
Em quarto lugar, há experiências que parecem estar relacionadas a eventos à distância no espaço e no tempo. As experiências parapsicológicas podem trazer dúvidas sobre as noções de espaço e tempo independentes, de continuidade permanente do fluxo do tempo e, sobretudo, de causa e efeito. Como seria possível existir um efeito antecedente a uma causa!?
Em quinto lugar, essas experiências não puderam ser reproduzidas à vontade. Isto significaria que o que se pretende estudar não obedeceria a leis claras e determinadas, o que conseqüêntemente implicaria, de novo, na rejeição do objeto de estudo da Parapsicologia do escopo científico.
Em resumo: a Parapsicologia não seria uma ciência porque pretende estudar experiências não apenas impossíveis de serem estudadas, mas impossíveis de existir.

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