quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Estática psíquica, ou porque paranormais nem sempre acertam

Há décadas, profissionais dedicados ao estudo da paranormalidade humana acumulam dados sobre as mais diversas possibilidades relativas à mesma.

Tais dados conduzem a algumas conclusões:

- Pode-se entender como paranormal um evento ou habilidade que reflete propriedades psicobiofísicas da(s) pessoa(s) envolvida(s) e cujas proporções e/ou circunstâncias tornam improváveis explicações de natureza espiritual ou transcendental.

- TODAS as pessoas, sem exceção, podem apresentar fenômenos paranormais;

- a ligação emocional entre as pessoas facilita a ocorrência de tais fenômenos;

- o repouso ou atividades motoras repetitivas e monótonas são as situações mais propícias para a paranormalidade;

- situações de crise, em especial de morte, são as que mais encontram lugar entre os casos relatados;

- por último, e não menos importante: a personalidade influi na abertura à experiências desse tipo.

Por exemplo, pessoas que não acreditam em paranormalidade tendem a alterar, reduzir ou bloquear manifestações desse tipo em si mesmas e até em outras pessoas - que se observa, por exemplo, no chamado "efeito do pequisador" (PDF, em inglês), em que coordenadores de pesquisas sobre fenômenos parapsicológicos interferem nos resultados inconscientemente devido à sua própria crença ou descrença nos mesmos!

Em telecomunicações "estática" é como se costuma chamar fontes de interferência em transmissões por ondas de rádio. De maneira análoga o efeito que doravante chamarei de estática psíquica, pode comprometer a possibilidade de ações ou comunicações do tipo paranormal.





segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Os Campos Morfogenéticos segundo Rupert Sheldrake


Por Adalberto Tripicchio, no Redepsi.


1/10/07

Campos de Tipos Diferentes
Os campos são regiões de influência não-materiais. O campo de gravitação da Terra, por exemplo, estende-se à nossa volta. Não nos é visível, mas nem por isso é menos real. Dá o seu peso às coisas e provoca a sua queda. Mantém-nos em contato com a Terra neste preciso momento; sem ele, flutuaríamos. A Lua gira em redor da Terra por causa da curvatura do campo de gravitação da Terra; a Terra e todos os planetas giram em re­dor do Sol por causa da curvatura do campo do Sol.


De fato, o campo de gravitação permeia todo o universo, curvando toda a matéria. Segundo Einstein, não está no espaço e tempo; é o es­paço-tempo. O espaço-tempo não é uma abstração gratuita; possui uma estrutura que inclui e molda, ativamente, tudo aquilo que existe e acontece no universo físico.
Também há campos eletromagnéticos, muito diferentes, pe­la sua natureza, da gravitação. Apresentam muitos aspectos e fazem parte integrante da organização de todos os sistemas materiais - dos átomos às galáxias. Estão subjacentes ao fun­cionamento do nosso cérebro e do nosso organismo. São essen­ciais à operação de toda a nossa maquinaria elétrica. Podemos ver os objetos que nos rodeiam, incluindo este artigo, porque estamos conectados com eles pelo campo eletromagnético no qual se desloca a energia vibratória da luz. E, à nossa volta, h&a
acute;, no campo, inúmeros padrões de atividade vibratórios que es­capam aos nossos sentidos; podemos, todavia, distingui-Ios por meio de receptores de rádio ou de TV. Os campos são o meio da ação a distância e, através deles, os objetos podem afetar­-se entre si, mesmo se não mantiverem contato material.

Tudo isto nos parece evidente. Vivemos, permanentemente, nestes campos, quer saibamos, quer não, como os físicos os mo­delizam matematicamente. Não duvidamos de que possuem uma realidade física, sejam quais forem as modelizações que deles fizermos, ou o nome com que os designamos. Sabemos que existem pelos efeitos físicos, mesmo se os nossos sentidos, em geral, são inaptos para detectá-los de maneira direta. Por exemplo, a estrutura espacial do campo de um ímã é, em si, invisível, mas espalhem limalha de ferro nas proximidades do ímã e a sua existência concretizar-se-á imediatamente. Este campo, tal como outros tipos de campos, possui uma qualidade holística contínua e não pode ser cortado em partes, contrariamente aos objetos materiais. Deste modo, se cortarem um ímã em dois, cada metade preserva o conjunto do campo original - cada metade passa a ser um ímã completo, rodea­do de um campo magnético completo.
Para além destes tipos familiares de campos, existem tam­bém, a avaliar pela teoria do campo quântico, diversos tipos de campos de matéria - campos de elétrons, de nêutrons etc.: campos microscópicos em cujo seio todas as partículas de maté­ria existem enquanto quanta de energia vibratória.
Nenhum destes diferentes tipos de campo pode ser reduzi­do a qualquer outro. Os físicos esperaram, durante muito tem­po, poder, um dia, compreendê-Ios, todos, como aspectos de um único campo unificado. A física teórica contemporânea tenta fazê-Ios derivar, hipoteticamente, do campo unificado origi­nal do cosmos, o qual se diferenciaria para dar os campos co­nhecidos da física enrolando-se de diversas maneiras durante a evolução e o crescimento do universo. Dentro do âmbito destas novas teorias do campo evolutivas: "O mundo pode, ao que parece, ser construído mais ou menos a partir de um nada estruturado."
A natureza dos campos é inevitavelmente misteriosa. Segundo a física moderna, estas entidades são mais fundamen­tais do que a matéria. Os campos não podem explicar-se em termos de matéria; pelo contrário, a matéria é explicada em termos de energia nos campos. A física só pode explicar a natu­reza dos diferentes tipos de campos em relação a um eventual campo unificado mais fundamental - o campo cósmico origi­nal, por exemplo. Mas este é inexplicável - a menos que se su­ponha criado por Deus. Mas então é Deus que é inexplicável.
Podemos, evidentemente, assumir que os campos são como são porque são determinados por leis matemáticas eternas, mas então existe o mesmo problema com estas leis: como podemos explicá-las?
Comecemos por encarar a possibilidade de que existe um número muito mais importante de tipos de campos do que a física reconhece atualmente: os campos morfogenéticos de diversos tipos de células, tecidos, órgãos e organismos vivos.

Os Campos Morfogenéticos
No início dos anos 20, três biólogos, pelo menos, sugeriram, independentemente, que nos organismos vivos a morfogênese é organizada por campos: Hans Spemann, 1921; Alexander Gurwitsch, 1922; Paul Weiss, 1923. Estes campos foram ditos de desenvolvimento, embrionários, ou morfogenéticos. Deviam or­ganizar o desenvolvimento normal e guiar os processos de regu­lação e de regeneração depois de lesão. Gurwitsch escreveu:
"O meio no qual se desenrola o processo formativo em­brionário é um campo (no sentido em que o entendem os físicos), cujos limites não coincidem, geralmente, com os do embrião, mas os superam. Por outras palavras, a em­briogênese tem lugar nos campos. (...) Deste modo, aquilo que nos é dado, enquanto sistema vivo, consistiria num embrião visível (ou ovo, respectivamente) e num campo."
Paul Weiss aplicou o conceito de campo ao estudo pormeno­rizado do desenvolvimento embrionário e, na sua obra PrincipIes of DeveIopment, fala dos campos nestes termos:
"Um campo é a condição à qual um sistema vivo deve a sua organização típica e as suas atividades específicas. Estas atividades são específicas no sentido em que deter­minam o caráter das formações a que dão origem. (...) Na medida em que a ação dos campos produz ordem espa­cial, segue-se o postulado seguinte: os fatores de campo possuem, eles mesmos, uma ordem definida. A heteroge­neidade tridimensional dos sistemas em desenvolvi­mento, ou seja, o fato de que estes sistemas possuem propriedades diferentes nas três dimensões do espaço, deve relacionar-se com uma organização tridimensional e com uma heteropolaridade dos campos de origem."
A natureza específica dos campos significa, segundo Weiss, que cada espécie de organismo possui o seu campo morfogené­tico próprio, o que não impede que campos de espécies aparen­tadas possam ser semelhantes. O organismo encerra, além disso, campos secundários que se integram no campo global do organismo - uma espécie de hierarquia de campos encaixados em campos.
Durante os anos 30, C. H. Waddington tentou esclarecer o conceito de campo com o auxílio do conceito de "campos de in­dividualização" associados à formação de órgãos definidos com formas individuais características. Nos anos 50, estendeu a noção de campo ao seu conceito de creodo, ou caminho de desenvolvimento, que ilustrou por meio de uma simples ana­logia tridimensional, a paisagem epigenética. O de­senvolvimento de uma parte particular do ovo é representado pelo rolar de uma bola. Esta pode seguir uma série de cami­nhos alternativos, correspondentes às vias de desenvolvimento dos diferentes tipos de órgãos. No organismo, estas são bastante distintas; por exemplo, o coração e o fígado têm estruturas definidas e não atravessam uma série de formas intermediárias comuns. O desenvolvimento é "canalizado" em direção a pontos terminais precisos. Perturbações do desenvolvimento nor­mal podem, por vezes, desviar a bola do fundo do vale em di­reção a uma vertente próxima mas, se a pressão não o fizer atravessar o cume em direção a um outro vale, voltará ao fundo do seu vale - não regressará ao ponto de partida, mas a uma posição posterior do caminho canalizado da mudança. É aquilo a que se chama regulação ontogênica.
O conceito de campos morfogenéticos, e de creodos no seu seio, difere da noção de enteléquia de Driesch. O conceito de campo implica, com efeito, a existência de analogias profundas entre o princípio organizador do domínio biológico e os cam­pos conhecidos da física. Driesch, sendo vitalista, estabelecia uma diferença radical entre o domínio da vida e os da física e da química. É, todavia, certo que as enteléquias influenciaram o conceito de campos morfogenéticos. Estes, tal como a entelé­quia, foram dotados de auto-organização e de uma tendência para um fim; e, tal como a enteléquia, deveriam exercer uma ação causal, guiando os sistemas sujeitos à sua influência em direção a padrões de organização característicos. Por exemplo, Weiss percebia os campos como complexos de fatores organi­zadores que «tornam definido e específico o curso original­mente indefinido das partes individuais do germe e isto de acordo com um padrão típico. E o conceito de creodos, ao ca­nalizar o desenvolvimento em direção a fins particulares, asse­melha-se fortemente ao impulso ou atração dos caminhos de desenvolvimento em direção a fins definidos pela enteléquia. Sob o ponto de vista de um sistema em desenvolvimento, os fins ou objetivos dos creodos pertencem ainda ao futuro; Waddington descreve-os, na linguagem da dinâmica, como sendo "atratores". A dinâmica matemática moderna é teleoló­gica no sentido em que implica a idéia de "bacias" nas quais os "atratores" representam os estados em direção aos quais os sistemas dinâmicos são atraídos.
René Thom desenvolveu as idéias de Waddington em mode­los matemáticos nos quais os pontos terminais estruturalmente estáveis, em direção aos quais os sistemas se desenvolvem, são representados por atratores ou por bacias de atração no seio de campos morfogenéticos.
Toda a criação ou destruição de formas, ou morfogê­nese, pode ser descrita pelo desaparecimento dos atratores que representam as formas iniciais e a sua substituição por captura pelos atratores que representam as formas finais.
O próprio Thom comparou esta abordagem com a de Driesch: "O nosso método, que atribui uma estrutura geomé­trica formal ao ser vivo, para explicar a sua estabilidade, pode caracterizar-se como uma espécie de vitalismo geométrico; trata­-se, realmente, de uma estrutura global que rege os pormenores locais tal como a enteléquia de Driesch."
A abordagem em termos de campo contrasta com o esque­ma de Weismann e dos seus discípulos; com efeito, é o campo que ocupa, aqui, a posição central e não o plasma germinativo. E o campo, não o plasma germinativo, que molda o orga­nismo. Mas o desenvolvimento não depende, apenas, dos campos; é, também, afetado por genes e influências ambien­tais.

A Natureza dos Campos Morfogenéticos
O que são, exatamente, os campos morfogenéticos? Como é que funcionam? Apesar do emprego difundido deste conceito em biologia, não existe resposta precisa para estas perguntas. De fato, a natureza destes campos continua a ser tão misterio­sa corno a própria morfogênese.
Corno era de esperar, os campos foram interpretados de ma­neiras radicalmente diferentes, refletindo as três principais fi­losofias da forma. Do ponto de vista platônico, representam as Formas ou Idéias imutáveis, as quais podem, por sua vez, ser concebidas à maneira pitagórica, como essencialmente mate­máticas. No espírito aristotélico, herdam a maior parte dos tra­ços das enteléquias e desempenham um papel causal na orga­nização dos sistemas materiais sujeitos à sua influência. De uma ótica nominalista, fornecem maneiras cômodas de des­crever os fenômenos da morfogênese, habitualmente pensados como sendo de cariz totalmente mecânico. Estas diversas inter­pretações coexistem na biologia do desenvolvimento e por ve­zes o mesmo autor oscila entre elas no mesmo parágrafo.
O papel causal dos campos e as características herdadas da enteléquia de Driesch permanecem, em geral, implícitos. Mas foram avançadas, de maneira explícita, interpretações de tipo platônico ou pitagórico.
Gurwitsch sublinhou as propriedades geométricas dos cam­pos e tratava-as como construções matemáticas ideais. A ori­gem e a extensão de um campo não se confinavam ao material de um organismo em desenvolvimento e o seu centro podia muito bem ser um ponto geométrico exterior ao organismo.
Thom esforçou-se por desenvolver uma espécie de platonis­mo dinâmico, no qual não apenas as formas podem ser caracte­rizadas matematicamente, mas ainda as maneiras como se transformam. É este o fundamento da sua teoria das catástro­fes, na qual as maneiras como as formas podem transformar-se umas nas outras são classificadas segundo um número limitado de "catástrofes" fundamentais. Os seus modelos de campos morfogenéticos incorporam essas catástrofes e concebe os cam­pos como objetos matemáticos que determinam, de uma ma­neira ou de outra, formas biológicas. Compara-os às estruturas matemáticas que, em física, determinam as formas químicas:
"Se o sódio e o potássio existem, é porque uma estru­tura matemática correspondente garante a estabilidade dos átomos Na e K; é possível, em mecânica quântica, especi­ficar esta estrutura para um objeto simples, tal como a molécula de hidrogênio e, apesar do caso do átomo de Na ou de K ser menos bem compreendido, não há qual­quer razão para duvidar da sua existência. Penso que existem igualmente, em biologia, estruturas formais, de fato, objetos geométricos, que prescrevem as únicas for­mas possíveis capazes de ter uma dinâmica auto-re­produtora num dado ambiente."
Segundo Thom, o esforço reducionista que visa "reconstruir um espaço complexo a partir de elementos simples" é perfeita­mente incapaz de fornecer uma compreensão da morfogênese e conclui que "a abordagem platônica é, de fato, inevitável".
Brian Goodwin insiste, também, na natureza matemática dos campos morfogenéticos, que concebem termos de "equações de campo gerativas". O desenvolvimento de organismos não deve ser compreendido em função do plasma germinativo, tal como supunha Weismann, nem do DNA ou do programa gené­tico. "A geração deve, pelo contrário, ser percebida como um processo emergente das propriedades de campo do estado vivo, com particularidades adquiridas que surgem para estabili­zar soluções particulares das equações de campo, de forma que sejam engendradas morfologias específicas". Por ou­tras palavras, os organismos adotam as formas exigidas pela estabilização das equações de campo e os genes afetam, indi­retamente, a forma estabilizando determinadas soluções das equações de campo em vez de outras. Goodwin e o seu colega Webster esperam que uma compreensão destas equações ge­rativas permita elaborar uma ciência racional da forma biológica.
"É preciso deduzir a ordem relacionaI correta que gera os fenômenos observados e esta ordem de organização, apesar de real, não é diretamente observável. Esta ordem relacional lógica define as propriedades de organização típicas dos organismos vivos. (...) A descrição matemática apropriada é fornecida pelas equações de campo. (...) Uma compreensão da morfogênese fornece a base de uma taxionomia racional, baseada nas propriedades lógi­cas do processo gerativo e não-genealógica, baseada nos acidentes da história.
De um ponto de vista platônico, ou pitagórico, os campos re­presentam uma realidade matemática objetiva; são igualmente objetivos se forem concebidos em um espírito aristotélico, en­quanto princípios organizadores imanentes; em contrapartida, não têm qualquer realidade fora dos nossos espíritos dentro da perspectiva nominalista. Alguns adeptos do conceito de campo recusaram-Ihe, por vezes, qualquer existência objetiva. Paul Weiss, por exemplo, considerava-o, por um lado como "fisica­mente real", mas, por outro, considerava que o conceito de campo não passava de uma abstração do espírito. "Visto que se trata de uma simples abstração, não podemos esperar que nos dê mais do que nela pusemos. O seu valor analítico e expli­cativo é, portanto, nulo."
Waddington, que tanto fez para desenvolver e promover o conceito de campo em biologia mostrou uma ambigüidade se­melhante. Escreveu:
"Qualquer conceito de 'campo' é, essencialmente, uma comodidade descritiva, não uma explicação causal. (..,) As forças operantes devem ser, em cada caso, identificadas se­paradamente, de maneira experimental. O conceito de campo teria valor de paradigma unificador se as forças fos­sem sempre as mesmas, ou pertencessem a alguns tipos pouco numerosos, tal como no caso dos campos gravita­cionais e eletromagnéticos, ou se os mapas fossem sempre os mesmos; ora, sabemos que nada disso se passa."
Se os campos não têm um papel causal e não passam de uma maneira conveniente de falar de processos físicos e quími­cos complexos, esta abordagem não parece poder distinguir-se de uma versão sofisticada da teoria mecanicista. É certo que os biólogos contemporâneos têm, muitas vezes, tendência para conceber os campos morfogenéticos em termos físicos ou quí­micos convencionais. Porém, se levarmos esta abordagem sufi­cientemente longe, ela desviará, mais cedo ou mais tarde, os in­vestigadores de explicações puramente materiais para levá-los em direção a uma visão matemática ou platônica.
É o que se observa na modelização matemática dos campos morfogenéticos de Gierer, Meinhardt, etc. Começam com uma suposição mecanicista convencional:
"Visto que ainda não conhecemos a natureza bioquí­mica ou física dos campos, devemos introduzir uma suposi­ção quanto à classe geral de física à qual pertence este fe­nômeno. Se supuséssemos que o fenômeno fundamental é o magnetismo, tentaríamos compreendê-Io em função das equações de Maxwell. Parece realista supor que os campos morfogenéticos têm a mesma base que outros fe­nômenos biológicos que se prestaram a explicações físi­cas: a saber, que são essencialmente devidos à interação e ao movimento de compostos moleculares."
Semelhantes processos podem, então, ser descritos por meio de equações apropriadas. Contudo, tal como Gierer observa:
"Estas equações são relativamente timoratas no que diz respeito aos pormenores do mecanismo molecular. Representam uma tentativa de 'desmistificação' dos campos morfogenéticos, que sugere que estes se devem à biologia molecular convencional e a mais nada; todavia, impõem condicionamentos radicais à elaboração de teo­rias e de modelos."

Estes modelos matemáticos baseiam-se, em geral, na hipótese de que existem, em determinadas regiões, processos químicos auto-ativadores cujos efeitos inibidores se estendem por uma re­gião mais vasta. A ativação local é auto-aumentadores, de forma que uma ligeira vantagem inicial em um local particular pode pro­duzir uma ativação extraordinária. A produção e a propagação de efeitos inibidores impedem, contudo, uma explosão catalítica global, de maneira que uma ativação em uma parte da área só se produz à custa de uma desativação em uma outra, até que se for­me um padrão estável. Simulações por computador, baseando­-se nestes modelos, mostram que podem engendrar uma série de padrões simples, dos quais alguns são capazes de "regenerar-se" depois de terem sido danificados.

Estes modelos ajudam a compreender o espaçamento entre dife­rentes padrões de atividade química nas células - em particu­lar, a produção de proteínas diferentes - mas não explicam nem as formas das células, nem as estruturas a que dão origem. Deste modo, uma compreensão dos fatores que influenciam o espaça­mento de pêlos em uma folha não explicaria a forma dos pêlos. Da mesma maneira, um modelo matemático de urbanização, para re­tomar o exemplo de Prigogine, permitiria compreender melhor os fatores que influenciam a taxa de crescimento urbano, mas em nada explicaria as diferenças arquiteturais, culturais e religiosas entre as cidades indianas e brasileiras.
Substâncias químicas que se difundem não são os únicos fatores em função dos quais podem ser modelados os campos morfogenéticos; entre os outros candidatos, citemos os impul­sos eléctricos, os campos elétricos e as propriedades visco­-elásticas do gel.
Estes modelos baseiam-se em hipóteses relativas a eventuais mecanismos físicos ou químicos; todavia, são essencialmente matemáticos e o seu valor explicativo é indissociável das mate­máticas. Tentam, de fato, fornecer uma síntese que mistura, tal como a física clássica, as tradições platônica e materialista, tal como Gierer disse de maneira muito explícita:
"Uma compreensão satisfatória da formação de padrões biológicos só poderá emergir de uma combinação dos conhecimentos relativos à matemática e à matéria. É psi­cologicamente compreensível que os bioquímicos e biólo­gos moleculares favoreçam o aspecto materialista e os matemáticos o aspecto formal do problema. Em um plano filosófico, o aspecto matemático formal parece mais de­terminante para a compreensão do que o estrutural, mas não basta para produzir uma confirmação experimental."
"É interessante notar que o antagonismo entre o valor ex­plicativo relativo da matemática e da matéria remonta a Pitágoras e PIatão (a favor da matemática) e a Demócrito e, depois, Marx, (a favor do materialismo) - controvérsia que talvez não seja objetivamente resolúvel."

O trabalho de Humberto Maturana e Francisco Varela




  (Por: Edla M. F. Ramos)

1. Introdução

Humberto Maturana e Francisco Varela desenvolveram um trabalho transdisciplinar centrado no propósito de entender a organização do sistemas vivos com relação ao seu caráter unitário. Para tal, foi preciso que esses pesquisadores levassem em conta os principais desafios que esse entendimento impunha, quais sejam: entender a natureza autônoma da organização biológica e entender como a identidade pode ser mantida durante a evolução que gera a diversidade. Os autores não fazem, pois não são necessárias, distinções sobre nenhuma classe ou tipo de ser vivo, nem descrevem os seus componentes. Apenas explanam quais são as relações que permanecem invariantes entre tais componentes, e que constituem o ser vivo enquanto tal, não importando qual é a sua natureza.

Além de reformular um fenômeno, mostrando como as relações e interações entre seus componentes o geram, como ocorre em toda a explanação, é meta central dos autores (pois têm claro que toda explanação é feita por um observador do fenômeno) distinguir claramente o que pertence ao sistema como constitutivo da sua fenomenologia e o que apenas pertence ao domínio da sua descrição. Esta distinção é uma proposta de atitude epistemológica nova e já demonstrou o quanto é fecunda no próprio trabalho dos seus proponentes.

A abordagem feita é, num certo sentido, mecanicista, pois nenhuma força ou princípio que não esteja no universo físico é invocada. Os seres vivos serão tratados como máquinas, donde os autores precisam responder 'que tipo de máquinas elas são?' e 'qual é a sua fenomenologia, incluindo reprodução e evolução, a partir da sua organização unitária?'. Apesar de mecanicista, a abordagem não é reducionista ou atomista, uma vez que é o caráter unitário do ser vivo que tenta ser compreendido de forma transdisciplinar.

O uso do termo transdisciplinar, ao invés dos termos interdisciplinar e multidisciplinar, é mais adequado para explicar este aspecto do trabalho dos autores, pois, como bem observou Stanford Beer, (no prefácio que escreveu para o livro Autopoiesis e Cognição):
"...se o livro lida com sistemas vivos, então deve tratar de biologia. Se ele diz alguma coisa científica sobre organização, então deve falar de cibernética. Se pode reconhecer a natureza do caráter unitário, deve ser um livro de epistemologia - e também, lembrando a grande contribuição do primeiro autor sobre percepção, deve lidar com psicologia. O livro é indubitavelmente sobre todas estas coisas. Chamaríamos, portanto, esta área interdisciplinar de psicociberbioepistêmica? Faríamos isso se quiséssemos insultar os autores, pois o seu estudo não inter-relaciona disciplinas, ele as transcende. Na verdade, parece que ele as aniquila..." (Beer in Maturana, 1987: 65).
Maturana e Varela desenvolvem uma abordagem em busca de síntese e não de análise e classificação. Segundo estes autores a ciência de hoje teve o seu progresso instrumentalizado por análise e categorização, o que produziu uma visão de mundo difícil de mudar. Nessa visão de mundo os sistemas reais são aniquilados pela própria tentativa de entendê-los, sendo suas relações definidoras(???) perdidas uma vez que não são categorizáveis (???).

Consideram os autores que nenhuma posição ou ponto de vista que tenha alguma relevância no domínio das relações humanas está livre de implicações éticas e políticas. Logo, nenhum cientista pode considerar-se alheio a estas implicações. Tais implicações foram explicitadas pelos autores a partir da resposta à seguinte questão: "as sociedades humanas são ou não são elas mesmas sistemas biológicos? ".

As noções de observador, distinção, unidade, organização e estrutura são os alicerces da teoria de Maturana e Varela. Elas são sintetizadas a seguir.

1.1 O observador

Tudo que é dito é dito por um observador. O observador é um ser humano, portanto, um sistema vivo, e tudo o que se aplica aos sistemas vivos também se aplica a ele. O observador contempla simultaneamente aentidade que ele considera e o universo no qual ela vive. Ele é capaz de operar ou de interagir com a entidade observada e com as suas relações.
Uma entidade é o que pode ser descrito pelo observador, descrever é enumerar as interações e relações atuais ou potenciais da entidade descrita. Isso só pode ser feito se existe pelo menos uma outra entidade distinguível com a qual a entidade descrita pode ser relacionada e interage.
O entendimento da cognição como um fenômeno biológico deve levar em conta o observador como um sistema vivo e o seu papel.

1.2 Unidade

A noção de unidade é fundamental no trabalho destes autores, dado, como já foi dito ao caráter não reducionista da sua abordagem. Eles buscaram entender o ser vivo, não pela enumeração de suas características, mas pela sua organização e seu caráter unitário. A definição dos mesmos para unidade está bem clara na citação abaixo:

"A operação cognitiva básica que nós realizamos como observadores é a operação de distinção. Através dessa operação nós especificamos uma unidade como uma entidade distinta do seu meio ambiente, caracterizamos ambos unidade e ambiente com as propriedades as quais esta operação lhes fornece e especificamos sua diferenciação. Uma unidade assim especificada é uma unidade simples que define através de suas propriedades o espaço no qual ela existe e o domínio fenomenal que ela pode gerar na sua interação com outras unidades." (Maturana, 1980:XIX)

Quando a operação de distinção é aplicada recursivamente sobre uma unidade, os seus componentes podem ser distinguidos, permitindo que ela seja re-especificada como uma unidade composta. Uma unidade pode portanto ser tratada como composta ou simples. No primeiro caso, ela existe no espaço que os seus componentes definem e é através das propriedades dos seus componentes que ela é distinguida. No segundo caso, ela existe num espaço que é definido através das propriedades que a caracterizam como uma unidade simples.

Uma operação de distinção é também a prescrição de um procedimento. Este procedimento separa a unidade distinta do seu meio. Uma distinção é, portanto, uma ação cognitiva, e a unidade especificada existe no domínio cognitivo do observador como uma descrição. Apesar disso, ele especifica no seu discurso um meta-domínio de descrições, pois ele estabelece uma referência que lhe permite falar como se a unidade existisse como entidade separada que ele pode caracterizar denotando as operações responsáveis pela sua distinção.

"Na perspectiva do meta-domínio descritivo, a distinção entre a caracterização de uma unidade e o conhecimento do observador que lhe permite descrevê-la dentro de um contexto, deve ser clara. De fato, conhecimento sempre implica uma ação concreta ou conceitual em algum domínio, e o reconhecimento do conhecimento sempre implica um observador que contempla a ação de um meta-domínio." (Maturana, 1980:XXII)

1.3 Organização e estrutura

Conta-se uma história, cujo inventor teria sido Einstein, que analisa o ato de descrição dos objetos e seres existentes, mais ou menos assim: “se formos descrever um relógio, com certeza iremos encontrar mais de 20 explicações diferentes e igualmente válidas para o mesmo, talvez nenhuma delas corresponda verdadeiramente àquilo que o relógio é”. O ato de descrição de um fenômeno cria um domínio fenomenológico novo, o domínio da descrição do fenômeno. Maturana e Varela alertam que é preciso fazer uma separação entre estes dois domínios. Os conceitos de organização e estrutura abordam esta questão.

organização de uma unidade ou sistema é o conjunto de relações que estão necessariamente presentes no sistema e que lhe definem a existência. Uma cadeira por exemplo pode ser definida a partir da descrição das relações entre braços, pernas, assento e encosto. Algumas coisas são difíceis de descrever, por exemplo, a classe das 'boas ações', mesmo que tenhamos um razoável entendimento do que seja uma boa ação.

De outra maneira, pode-se dizer que "...as relações entre os componentes que definem uma unidade composta (sistema) como uma unidade composta de um tipo em particular, constituem a sua organização" (Maturana, 1980:XIX). Nesse caso os componentes são vistos somente enquanto participantes na constituição da unidade, nada precisando ser dito sobre suas propriedades específicas, que não sejam requeridas para a realização do sistema. "Os componentes atuais ( com todas as suas propriedades incluídas) e as atuais relações existentes entre eles, que realizam concretamente o sistema como um membro em particular da classe de unidades compostas a qual ela pertence pela sua organização, constituem a sua estrutura." (Maturana, 1980:XX).

O que define um sistema é, portanto, o conjunto de relações existentes entre os seus componentes, independentemente destes componentes. O conjunto de relações que define um sistema como uma unidade é a suaorganização. Já o conjunto de relações efetivas entre os componentes presentes numa máquina concreta dentro de um espaço dado, constituem sua estrutura. Dessa forma, a organização de uma máquina nada tem a ver com a sua materialidade, é claro que ela implica uma matéria: uma máquina de Turing, por exemplo, é uma certa organização mesmo que pareça haver um fosso intransponível entre a forma como é definida uma máquina de Turing e suas realizações (elétrica, mecânica etc.).

A organização de um sistema pode se efetivar a partir de muitas estruturas diferentes, na medida em que, o conjunto de relações e propriedades que a definem são um subconjunto daquelas que definem uma estrutura. Por exemplo, o conjunto de relações que definem a realização de um carro, pode ser verificado concretamente a partir de muitas estruturas diferentes. O mais importante nisso é que uma mesma organização pode ser percebida por um observador como pertencente a diferentes classes de unidades compostas, pois ele poderá abstrair subconjuntos diferentes de relações e propriedades em diferentes estruturas pela qual ela se efetive. Mais ainda, para que uma organização possa permanecer invariante, enquanto realizável por diferentes estruturas, existem limites para as variáveis dessa estrutura, que se ultrapassados acarretariam a mudança da organização.

A noção de finalidade de um sistema não é uma característica da sua organização, mas sim do domínio do seu funcionamento, ou seja, ela remete à descrição de uma máquina a um domínio mais vasto que o sistema ele mesmo. Na verdade, a noção de finalidade é usada nas descrições dos sistemas em geral, pois todos os sistemas construídos pelo homem têm uma finalidade específica, e a mesma diminui em muito a nossa tarefa explicativa e descritiva numa explanação. Donde, esses conceitos de finalidade, de objetivo ou de funcionamento são introduzidos pela necessidade de comunicação dentro do domínio do observador. Eles não servem para nada na caracterização de uma classe particular de organização. Um carro, mantida a sua integridade física (donde, mantido o conjunto de relações entre os seus componentes, e, portanto, mantida a sua organização) não deixará de ser um carro se lhe for dada uma finalidade diferente. Por exemplo, ao invés do transporte de objetos e pessoas, um carro poderia servir para escorar uma parede, nem por isso deixaria de ser um carro.

Na definição de organização feita acima, quando a condição de teleonomia (necessidade de um fim ou objetivo) é retirada da descrição da organização de um sistema, os autores imprimem a principal marca da sua perspectiva epistemológica. A exclusão da noção de finalidade na descrição da organização de um sistema é o divisor de águas entre o domínio fenomenológico descrito e o domínio da sua descrição.

2 O ser vivo e a sua organização

A grande questão que norteou o trabalho de Maturana e Varela era "o que é a vida?" ou "o que é próprio dos sistemas vivos desde a sua origem, e permanece invariante durante as suas sucessivas gerações?" A resposta para tal questão no entender dos autores estava implícita na resposta de outra: qual é a organização do ser vivo?

O ser vivo pode ser facilmente reconhecido quando é encontrado. Mais difícil do que reconhecê-lo é dizer o que ele é. Suas características tais como reprodução, hereditariedade, crescimento, irritabilidade, adaptação e evolução, desenvolvimento e diferenciação, seleção natural, e assim por diante, podem ser facilmente enumeradas. Mas quando é que esta lista de atributos será suficiente para definir de forma clara o ser vivo?

Maturana e Varela têm claro que o ser vivo é um tipo especial de máquina, e a partir do paradigma epistemológico que adotam, cabe-lhes então definir de que tipo de máquina trata-se, a partir da sua organização. No entender dos mesmos, seria muito ingênuo dizer apenas que máquinas são sistemas concretos de hardware, que se definem pela natureza dos seus componentes e pelo propósito para o qual foram feitas, pois neste caso, nada teria sido dito sobre a natureza da sua organização.

Para Maturana e Varela os seres vivos são um tipo particular de máquinas homeostáticas, que eles denominam de autopoiéticas. "Existem sistemas que mantém alguns de seus parâmetros, seja imóveis, seja ligeiramente flexíveis no interior de um intervalo restrito de valores. É sobre esta constatação que repousa a noção fundamental de estabilidade ou de coerência de um sistema. " (Wiener apud Varela, 1989:45). Nos sistemas em que o mecanismo responsável pela estabilidade é interno ao mecanismo da máquina, ou seja, nos quais as fronteiras são definidas pela própria organização da máquina tem-se um tipo especial de máquinas chamadas de homeostáticas.

A idéia de autopoiesis é uma expansão da idéia de homeostase em duas direções importantes:
  • ela transforma todas as referências da homeostase em internas ao sistema;
  • ela afirma ou produz a identidade do sistema.
Ou seja, esses sistemas produzem a si próprios, dessa forma produzem a sua identidade distinguindo-se a si mesmos do seu ambiente. Daí o termo autopoiéticos, do grego auto (própria) e poiesis(produção).

Um sistema autopoiético é organizado como uma rede de processos de produção de componentes que:

a) regeneram continuamente, pela sua transformação e interação, a rede que os produziu; e que,
b) constituem o sistema enquanto uma unidade concreta no espaço onde ele existe, especificando o domínio topológico onde ele se realiza como rede.

Dessa forma uma máquina autopoiética é um sistema homeostático onde a invariante fundamental é a própria organização. A organização por sua vez é determinada pelas relações, não entre os seus componentes, mas entre os processos de produção desses componentes. Portanto para classificar um sistema como autopoiético é necessário ter capacidade de dar uma significação precisa aos processos de produção dos componentes e de geração de uma fronteira, pois é na geração da fronteira que se produz a identidade.

Este tipo de organização tem conseqüências evidentes:
(i) máquinas autopoiéticas são autônomas;
(ii) máquinas autopoiéticas têm individualidade;
(iii) máquinas autopoiéticas são unidades que se caracterizam justamente a partir da própria organização autopoiética; e,
(iv) máquinas autopoiéticas não têm entradas ou saídas.
Todas estas conseqüências serão detalhadas neste texto, em outros momentos.

A noção de autopoiesis é necessária e suficiente para definir um sistema vivo. É óbvio que se for aceito que os seres vivos são máquinas, então eles são máquinas autopoiéticas. Não é tão aparente, contudo, o inverso, ou seja, que toda máquina autopoiética é um sistema vivo. A dificuldade em se perceber este fato deve-se, de acordo com os autores, a razões ligadas ao domínio da descrição, são elas: (a) Máquinas em geral são artefatos feitos pelo homem, com propriedades conhecidas e, pelo menos conceitualmente, perfeitamente previsíveis. (b) Enquanto a natureza do ser vivo for desconhecida fica difícil identificar quando um sistema é ou não vivo. (c) A crença que observação e experimentação, sem nenhum recurso à análise teórica, sejam suficientes para revelar a natureza do ser vivo.

Por mais chocante que possa parecer, os fenômenos da reprodução e da evolução não são constitutivos da definição do ser vivo a partir do seu caráter unitário. É preciso lembrar que toda unidade para ser reproduzida precisa já estar constituída, e também que muitos seres vivos não são capazes de reproduzir-se (uma mula, por exemplo). O fato de a reprodução requerer uma unidade a ser reproduzida não deve ser entendido como uma questão de precedência trivial, mas como um problema operacional, sobre a origem do sistema vivo e sobre a natureza do seu mecanismo de reprodução. Este mecanismo é, nos sistemas autopoiéticos, peculiar aos mesmos. Trata-se de um mecanismo no qual uma unidade produz uma outra com a mesma organização que a sua, enquanto produz a si própria, num processo de auto-reprodução.

2.1 Autopoiesis e autonomia

Para Varela (1989) importa analisar, quando um cão vira a cabeça na sua direção "para poder vê-lo melhor", sobre que bases se tenta imputar uma intenção ao cão. Para o autor, nesse comportamento, o cão recebe as informações que provém do seu ambiente, não como instruções, mas como perturbações que ele interpreta e submete a algum mecanismo de equilibração interna. É esta propriedade particular, que ele chama de autonomia, que será melhor definida a seguir.

Uma das características mais evidentes dos seres vivos é a sua autonomia. A questão da autonomia tem estado até então envolvida numa aura de mistério. Maturana e Varela propõem que o mecanismo que torna os seres vivos autônomos é a autopoiesis. A vida mesmo se especificou, dentro do domínio molecular, a partir de um processo desse tipo, enquanto ela mesmo é um desses processos autônomos. Aqui autonomia tem o sentido usual, ou seja um sistema é autônomo quando é capaz de especificar as suas próprias leis, ou o que é adequado para ele.

A célula é uma unidade que surge de uma sopa molecular a partir da especificação de uma fronteira que a distingue do seu meio. A especificação desta fronteira se faz através da produção de moléculas, que por sua vez necessitam para a sua formação da presença dessa mesma fronteira. Há, portanto, uma especificação mútua, e se esse processo de auto-produção se interrompe, a célula se desintegra. O fenômeno essencial aqui é o seguinte: o fechamento operacional de elementos situados em níveis separados produz um entrecruzamento destes níveis para constituir uma nova unidade. Quando o entrecruzamento cessa, a unidade desaparece. A autonomia surge desse entrecruzamento. A origem da vida não é o único exemplo dessa lei geral.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Condições de psi...


De um artigo do IPPP
(...) o parapsicólogo se vê ante um grande problema: o de conhecer a verdadeira natureza do fenômeno paranormal.
Fundamentalmente temos duas hipóteses: a de que o fenômeno paranormal seja de origem física (orgânica) ou que seja de origem extra-física (não orgânica).
Muitos pesquisadores alegam que vários fatores parecem concorrer para a hipótese organicista, quais sejam:
1. A constatação de que a utilização de determinadas substâncias podem inibir (como o amital sódico) ou estimular (como o álcool, cafdeína, ácido ascórbico) a produção do fenômeno paranormal.
2. A má condição de saúde parece inibir, na maioria das vezes, a deflagração do fenômeno psi.
3. Conforme o Dr. Sergeyev, o aumento da atividade magnética nos astros vizinhos, bem como, no próprio campo magnético da Terra, parecem facilitar a ocorrência do fenômeno paranormal.
4. Parece existir indícios , entretanto, ainda fracos, de que os fenômenos paranormais sejam hereditários.
5. Na obra "A  Morte Não é o Fim" de Horace Leaf, o autor menciona que pôde constatar em si , o fato de que a sua clarividência era melhor em regiões de alta quantidade de eletricidade estática existente na atmosfera.
6. Os parapsicólogos russos puderam verificar que a ocorrência de mau tempo implicaria em declínio do fenômeno paranormal.
7. Dificuldades na produção de determinados fenômenos psi, notadamente de psigama, em locais de alta densidade demográfica.
Em verdade, os dois últimos itens referentes ao mau tempo e a densidade demográfica , não apontam tão fortemente para a hipótese organicista, pois, estes fatores influem psicologicamente no indivíduo, embora tendo repercussão orgânica.
A hipótese extra-física  baseia-se principalmente nos seguintes itens, que são observados nos fenômenos de psi-gama.
1. Obstáculos físicos não afetam a ocorrência do fenômeno paranormal.
2. Observou-se em experiências que a gaiola de Faraday não impedia a migração de informações de natureza paranormal, não podendo ser, desta forma, uma onda eletromagnética.
3. O psi-gama parece não obedecer ao princípio do inverso do quadrado da distância.
A hipótese organicista parece ser possuidora de uma maior fundamentação científica, haja visto, de início, a dificuldade de apreender o que vem a ser algo extra-físico, por já termos nós, dificuldade em conceituar o que vem a ser  algo físico.
Refletindo um pouco sobre os fatores indicados como fortalecedores da hipótese extra-física, temos que:
As ondas hertzianas propagam-se no espaço e os obstáculos materiais não impedem sua propagação, podendo o fenômeno psi, por conseguinte, ser produzido por uma onda eletromagnética. Entretanto, argumentam os defensores desta hipótese, que a gaiola de Faraday é uma barreira  intransponível para esse tipo de onda e que, em experiências de laboratório, constatou-se que o paranormal, embora estando no interior do dito aparelho, poderia receber ou emitir comunicações paranormais sem impedimento algum. No entanto, é do conhecimento dos físicos atuais que as ondas eletromagnéticas de grande  comprimento conseguem atravessar a gaiola de Faraday. Não seria o fenômeno psi, ao menos o de psi-gama, produzido por uma onda eletromagnética de grande comprimento?
Quanto a contrariar o princípio do inverso do quadrado das distâncias, pode-se contra-argumentar que os experimentos conhecidos, ocorreram, talvez, a pequenas distâncias, em detrimento da altíssima velocidade de propagação da referida onda.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Palavras também dão sentido ao mundo



Postado por no blog , no dia 9 de setembro de 2012.

É conhecida a ênfase de Tiago sobre a ação na vida cristã. Para ele, a ação dá vida à fé que move o mundo. Mas ele também mostra um complemento disso: palavras também dão sentido ao mundo... Os versos abaixo lançam mão de todo o problema a ser explorado no capítulo 3 (1-12) de sua carta: “Não tenham pressa alguma para se tornarem professores. Ensinar é um trabalho de alta responsabilidade. Professores são avaliados pelos mais estritos padrões. E nenhum de nós é perfeitamente qualificado. Nós agimos mal quase sempre que abrimos nossa boca. Se você conseguir achar alguém cuja fala seja perfeitamente verdadeira, você tem uma pessoa perfeita, no perfeito controle sobre sua vida” (Tg 3.1-2 – The Message).

Isso significa que, quando eu abro a boca, estou mais perto de errar do que em qualquer outro instante da vida. E só um ser perfeito é capaz de controlar a língua ou a fala totalmente. Ou seja, este pleno domínio simplesmente não existe, especialmente fora dos domínios da ação do Espírito.

A questão que me encabula é: como um órgão tão pequeno pode ter um poder tão grande sobre a vida e os relacionamentos humanos?

Comecemos analisando, por exemplo, a frase: “O que a gente fala tem poder”. Que poder é esse? Até onde ele atinge? Certamente a visão espiritualizada e superficial desse negócio não consegue captar o que isso significa. Não se trata nem de fetichizar, nem de demonizar a fala, e dar maior poder do que ela realmente tem. Mas de pensar no que, de fato, ela é capaz...

O texto de Tiago nos ajuda a aprofundar a questão, quando compara a língua a uma faísca, que pode atear fogo numa floresta inteira. Estando no meio dos demais órgãos, a língua é “um mundo de iniquidade”, que tem a potência para contaminar o corpo inteiro, e mais, todo o caminho de uma existência humana. Isso ajuda a entender melhor o exemplo do professor, por ele dado, e o peso da responsabilidade sobre o que alguém nessa posição diz.

Nós domesticamos todo tipo de animal, mas, segundo Tiago, somos incapazes de domesticar a nossa própria língua. Todavia, Tiago não está dizendo que a língua é o demônio, e sim que ela pode até transformar supostos “anjos” em pequenos demônios, exagerando um pouco. Seres humanos, porém, não são nem anjos nem demônios, são apenas humanos, e urge que reconheçam a si mesmos e do que são capazes em sua humanidade, seja para o bem ou para o mal.

E essa é a sacada que nos leva de volta à tese do começo – de que palavras também dão sentido ao mundo: tanto quando usada para fazer bem como para fazer mal. E Tiago não dicotomiza a questão da fala no binômio bem-mal, pois lembra que da mesma boca de onde procedem louvores a Deus, o Pai, procedem maldizeres às pessoas, criadas à sua imagem e semelhança. Com o ser humano é assim, paradoxal, tudo junto e misturado. Daí, é possível perceber que quando dizemos coisas que fazem mal ou bem a alguém, afetamos a saúde integral do corpo, o nosso e o do outro.

Uma frase que talvez Luiz Felipe Pondé diria ser “filha do politicamente correto”, é aquela em que alegamos ter dito algo estando “fora de nós mesmos”, ou “da boca para fora”. Bem, a menos que estivéssemos sob efeito de entorpecentes, sou obrigado a dizer que isso é uma grande balela. Ninguém fala nada “da boca pra fora”. Quando saímos com isso, portanto, ou é para sair menos “mal na fita”, ou para se justificar de um jeito aparentemente humilde, ou porque não nos conhecemos o bastante pra saber “o que é que há, o que é que está se passando com essa cabeça”, ou porque mentimos descaradamente mesmo, e... (complete você). Como se diz, a boca fala do que está cheio o coração. Ou, como disse Jesus, “o que sai do homem é o que o torna impuro” (Mc 7.20).

Mas Tiago não pára por aí. Ele não diz que está bom desse jeito. Pelo contrário. Ele defende que isso não pode continuar assim. Não podemos prosseguir dizendo por aí frases como “eu sou de Deus, eu sou de Cristo”, enquanto normalizamos a maledicência. Também não dá pra afirmar categoricamente que não compactuamos muitas vezes com ela. É preciso sempre desconfiar da fala, não dar todo o crédito pra ela, e nem tirá-lo totalmente. É preciso constantemente se perguntar: Do que a fala está carregada? A quem ela pode estar atingindo destrutivamente? Em que e a quem este “dizer” possivelmente edifica? O quanto posso estar dizendo isso apenas para agradar ou provocar desgosto?

Acredito que a palavra também dá significado ao mundo, e mais, que pode ajudar em sua transformação. A existência e o uso da palavra é, portanto, parte do propósito de Deus para a humanidade. Mas, como bem advertiu Eclesiastes, “há tempo para todo propósito debaixo do céu”. Há tempo de falar – e que a gente aprenda a moderar e liberar nossa fala no tempo adequado, em favor da vida e para gerar vida. Há tempo também de calar – tempo em que o falar atrapalha, tempo necessário para repensar o dizer e para desconfiar do que se tem dito, tempo para deixar um pouco de lado a fala e, quem sabe, começar a agir.

Pois palavra sem vivência é palavra sem sentido: pode até causar rebuliços e prazeres mentais, mas não fecunda mais que o exemplo e a integridade de quem nem precisa dizer muita coisa para significar muito.

Meu problema com as "apologéticas"

Escrever é transgredir em 26 de julho de 2012. 


Apologética é má teologia, como disse certa vez meu ex-professor Júlio Zabatiero. Primeiro, porque parte do princípio de “defesa da fé”. E desde quando urge que a fé seja defendida? Ora, desde quando ela tem sido “atacada”, diria alguém.

Entendo, porém, que precisamos, sim, responder às interpelações feitas a fé, mas sem a preocupação em fazer do diálogo um tribunal onde ela possa ser defendida e, no fim das contas, quando “ganharmos a causa”, ser absolvida de suas acusações – o que já não poderia ser chamado de “diálogo”. 

Dar razão da esperança que há em nós, como diz Pedro, é diferente de defender a fé, que em si, existe para ser indefesa, frágil, e sujeita a retaliações, como foi Jesus. Ele não defendeu a fé, a causa, a missão, mas procurou integrá-las com divina coragem e discernimento a sua vivência e prática diárias.

Segundo, porque a defesa precisa se assemelhar ao ataque para poder partir para o contra-ataque. Nesse aspecto, a apologética peca, pois ainda persiste num diálogo de surdos com a linguagem científica do século XIX, em pleno século XXI, afirmando “certezas” onde só temos “impressões”, “linguagens”, “interpretações”.

A certeza e a verdade que afirmamos, pela fé, afirmamos mais com a vida, e menos com o discurso ou de modo proposicional. O discurso, por sua vez, é recheado de incertezas, de imprecisão, de subjetividades. E assim precisa ser, pois se configura como discurso humano sobre o divino, a parcela falando sobre o todo, ou, parafraseando Ellul, aquilo que há de mais imperfeito e temporal falando sobre o perfeito e eterno. 

Que conseguiríamos nós com nossa “fala sobre Deus”, senão, expressar uma parte? Ora, o próprio Paulo foi quem disse que hoje conhecemos apenas uma parcela da verdade, e então, quando vier o que é perfeito, conheceremos como também somos conhecidos.

Terceiro, se nossa teologia é, por natureza, recheada de proposições sobre Deus, defendo que estas sejam modestas e assumam-se como um discurso em meio aos outros, e não “O Discurso” e “A verdade”, como a maioria das apologéticas acaba se colocando quando apresenta o Cristo travestido de sua roupagem teológica, sem, porém, que se reconheça as limitações óbvias dessa roupagem. 

O Cristo Verdade-Caminho-Vida é absoluto como ser, mas acaba sendo (e precisa ser) relativizado quando passa pela via dos conceitos humanos. E todo conceito, como diria Nietzsche, nasce por igualação do não igual. Nesse sentido, igualar Cristo a nossas ideias sobre Ele é uma pretensão para lá de funesta, e é onde pecam muitas das apologéticas, do passado e do presente.

Doutrinas não são absolutas; podem ser, sim, percepções relativas, ainda que fiéis, de um princípio absoluto. A relatividade ou provisoriedade da doutrina não é uma negação ou diminuição do absoluto, mas é a assunção de nossa incapacidade de compreendê-lo. Se for absoluto, não pode ser reduzido – e em grande medida isso é o que são nossos conceitos ou percepções de Deus: reduções. Que falham ainda mais quando não se assumem como tais, e ainda se vêem no direito de dizer quem está e quem não está do lado “da verdade”. Mas a questão é: se é absoluta, como pode ser expressa? 

Pode ser expressa por meio da parcialidade imperfeita do discurso – ou da vida. Afirmar que expressamos ou vivemos em parte, é a maneira como Paulo em 1Co 13 nos ensinou a viver na casa do conhecimento sem abandonar a casa do amor.

Mas antes que confundam o que estou dizendo com relativismo, reitero o que já disse em outro lugar: afirmar que nosso conhecimento não é capaz de “dar conta”, de deter a verdade ou alcançar a verdade objetiva, não significa dizer que “não existe mais uma verdade absoluta”, e sim que não pode haver uma visão (humana) absoluta da verdade. Posiciono-me, portanto, a favor da assunção da condição relativa de nossas percepções, e não do relativismo (a ideia de que “tudo é relativo”).

Se tudo é relativo, então nada é relativo (?), pois o “tudo” se transforma em “absoluto” no dizer do relativista. No fim, o relativismo acaba sendo outra forma de apologética, tão tacanho e sem sentido quanto esta no tempo em que vivemos. Como disse Elienai Cabral Jr. (@elienaijr), no Twitter: “Não creio em verdades maleáveis, porque narrativas ou poéticas, e verdades duras, porque racionais ou científicas. Apenas descrições várias”.