terça-feira, 21 de junho de 2011

Os futuros domínios da mente

Os futuros domínios da mente

Por Flávio Gikovate, psiquiatra

1. A psiquiatria é uma especialidade médica que faz fronteira com a neurologia, por um lado, e com a filosofia, por outro. Estivemos muito ocupados com seu conteúdo intrínseco, qual seja, o dos conflitos derivados de eventuais experiências traumáticas individuais, uma vez que a psicanálise foi o grande evento do século XX. Além de nos alertar para os dilemas pessoais, trouxe para o domínio da ciência algumas das grandes questões humanas, tais como o significado dos sonhos e a existência do inconsciente, os inexoráveis conflitos entre pais e filhos, a sexualidade e os problemas derivados da necessidade de repressão deste impulso para a viabilização da vida em sociedade, etc.

Creio que estamos chegando perto do fim deste tipo de reflexão sobre nossa condição. Penso que os grandes conflitos existenciais, sempre tratados pela filosofia, tomarão vulto enorme, uma vez que nossos conflitos são ínfimos diante de temas como o do medo da morte, a insignificância cósmica da condição humana, o desamparo físico e metafísico que nos envolve, etc. A reflexão filosófica passará a ser o centro, enquanto que os eventuais conflitos individuais serão a periferia daquilo que será analisado em nossa subjetividade. Exatamente o oposto do que fazemos hoje.
Por outro lado, os avanços da neurofisiologia e da farmacologia daí derivada nos trarão importantes reforços terapêuticos de natureza essencialmente orgânica. Não só os quadros depressivos e ansiosos poderão ser combatidos com eficiência crescente, mas também distúrbios de natureza alucinatória, delirante, e mesmo aqueles relacionados com a idade - entre os quais ressalta o prejuízo da memória. Cirurgias cerebrais para tratamento de sintomas específicos, relacionados não só com a epilepsia, serão realizadas com freqüência crescente. Ou seja, boa parte daquilo que hoje constitui a psiquiatria se bandeará na direção da neurologia.
Não é o caso, porém, de superdimensionarmos estes dados de previsão. O grande mistério de como as células cerebrais são capazes de gerar isto que chamamos de pensamento ainda continuará sem desvendamento. A hipótese de que algo de imaterial - a alma - tenha nos penetrado e se exerça através do sistema nervoso continuará a ser aventada, pois é mais ou menos assim que nos percebemos: portadores de uma lado material e outro, o da mente pensante, que parece totalmente separado do corpo.

2. Este setor aparentemente não material da nossa atividade cerebral, aquele que se compõe de percepções externas e internas que alimentam o pensamento, o raciocínio e a lógica, continuará a ser muito importante. Duas modificações são previsíveis: a primeira será no sentido de aprimoramento do rigor lógico, hoje muito descuidado. Isto é grave, pois tem gerado equívocos inadmissíveis causadores de grandes sofrimentos. Quando pensamos mal concluímos de modo errado e somos incapazes de levar adiante nossos projetos de vida. A eles se transferem nossos equívocos racionais.

A outra modificação consistirá na crescente importância que assumirão os chamados fenômenos paranormais. Telepatia, premonição, materialização estão entre os processos psíquicos que indiscutivelmente existem, mas que não temos a menor idéia dos ingredientes nele contidos. Não creio que saberemos muito sobre eles nas próximas décadas. Porém, conseguiremos nos livrar dessa forma simplista de pensar, que é a de que só existem as coisas cuja explicação fomos capazes de nos apropriar. Assim sendo, conviveremos com estes fenômenos, que serão parte integrante de nossa vida cotidiana. Poderemos nos treinar para a comunicação telepática com aquelas pessoas que nos interessem, poderemos mudar objetos de lugar através da força do pensamento, poderemos levar mais a sério nossas previsões acerca do futuro. Tudo isto gerará novos e imprevisíveis avanços e trará também novas dores, novas disputas e talvez um novo tipo de poder; isto porque os "dons" paranormais não serão iguais entre os humanos.

3. Nossa mente será povoada com lembranças de situações que efetivamente vivenciamos, com pensamentos lógicos que fomos capazes de construir e também com dados que nos chegaram pela via telepática. Chegarão vindos de outras mentes. Poderão ser mentes iguais às nossas. Mas poderão ser de seres que habitam outros planetas em outros sistemas estelares. É muito provável que existam seres extraterrenos e que venhamos a nos comunicar com eles em breve; e talvez isto se dê exatamente pela via telepática.

Da mesma forma, não é impossível que sejamos capazes de nos comunicar com eventuais espíritos que porventura nos rodeiam. Não será fácil distinguir entre o que seja imaginação, telepatia com terrenos, telepatia com extraterrenos e telepatia com eventuais espíritos. É bem provável que o pensamento religioso sofra enormes modificações, de modo que serão pouco convincentes os textos místicos tradicionais. Deverão surgir novas doutrinas, que atrairão as grandes multidões. Elas estarão cada vez mais disponíveis para isso, uma vez que os novos processos psíquicos de natureza paranormal nos darão a impressão de estarmos, de novo, cercados por brutais mistérios e rodeados de magia e de espiritualidade.

4. O reacender desta visão mágica e mística da vida trará consigo várias conseqüências. Uma delas será o fim da idéia de que o pensamento lógico é o único meio de chegarmos ao conhecimento - e este tipo de pensar, quando exercido será, como disse, mais rigoroso. Estará sendo reforçado o pensamento do tipo indutivo, mais rico e criativo do que a dedução. As artes florescerão depois de um longo período de aridez que já está em curso.

Em decorrência deste tipo de visão mais religiosa da vida - e também em conseqüência dos processos ligados aos limites energéticos e ecológicos do planeta - nossa tendência materialista atual sofrerá radical reversão. As pessoas se aperceberão, de modo definitivo, que os bens materiais para além dos indispensáveis não são capazes de trazer os benefícios sugeridos. A corrida consumista acabará. Ser muito apegado aos bens materiais voltará a ser visto como coisa fútil e menor. É provável que uma visão mais clara das questões metafísicas e religiosas trará aos nossos espíritos um certo tipo de alívio e serenidade que desconhecemos.
Desta forma, o trabalho também mudará de conotação. Deixará de ser visto como a maior virtude, como o que de melhor temos para fazer com nossa inteligência, agora entretida com telepatia e também com equipamentos eletrônicos cada vez mais sofisticados e interessantes. A automação diminuirá cada vez mais as oportunidades de trabalho no mundo concreto que nos cerca. É curioso prever que isto coincidirá com as alterações em nossa subjetividade que também trarão um menor apego do homem às coisas materiais e ao trabalho que é o veículo para sua aquisição.

5. Muitos dos bens produzidos em decorrência dos recentes avanços tecnológicos são relacionados com o lazer. E mais do que isto, têm a ver com entretenimentos individuais, solitários. As crianças hoje já se ocupam mais com a televisão e com os computadores do que com as outras crianças - e mesmo com os pais. Este dado objetivo da nossa nova realidade é fundamental, pois finalmente nos permite uma visão individual do ser humano. Sempre nos vimos como uma parte de um todo maior. No amor romântico, éramos a "metade" da laranja. Sempre nos sentimos incompletos e isto nos impediu de nos reconhecermos como inteiros, como unidade. Aprendemos a conceber a salvação com algo que viria de fora, do outro; isto é, que o indivíduo não se resolve em si mesmo.
Num primeiro instante este individualismo crescente apareceu como algo nefasto, como um subproduto negativo, como um alto preço que estávamos pagando pelo nosso progresso tecnológico. Com o passar das décadas, poderemos perceber que estávamos muito enganados. Perceberemos que o individualismo é, em primeiro lugar, nossa verdade maior. Isto nos levará a uma revisão definitiva do fenômeno amoroso tal como o conhecemos. A idéia de fusão de duas criaturas para formar a unidade romântica será facilmente relacionada com um anseio regressivo relacionado com nossa origem - fusão da mãe e seu feto. O amor adulto será respeitoso dos direitos e do modo de ser dos indivíduos. Será próximo do que hoje chamamos de amizade e será muito mais gratificante do que imaginamos.

Perceberemos que o sexo é um fenômeno essencialmente individual e que as práticas que envolvem trocas de carícias não têm a importância que a ele atribuímos. Tornar-se-á um fato simples e será praticado entre criaturas de sexo oposto ou do mesmo sexo de acordo com os desejos de cada um. Será visto como algo totalmente isolado do amor, podendo - ou não - a ele se acoplar. A igualdade no modo de ser e de se comportar de homens e mulheres será inevitável, ressalvadas apenas as diferenças que são da biologia. Viveremos a igualdade possível para criaturas desiguais.
A vaidade, ingrediente importante da nossa sexualidade que nos leva a desejar muito o destaque e o exibicionismo de todo o tipo, será melhor entendida, de modo que ficará essencialmente relacionada com nossas funções corpóreas. A vaidade intelectual, que tanto mal tem feito ao nosso modo de pensar, será desprezada e rejeitada como o pior dos males. O controle sobre essa vaidade nociva será outro ingrediente que, junto com a diminuição do materialismo, tenderá para conduzir as pessoas numa direção de menos disputa e mais companheirismo. Os prazeres intelectuais crescerão juntamente com a espiritualidade e o ressurgimento das artes. Será, porém, livre deste danoso ingrediente da vaidade.

6. Talvez a mudança mais inesperada e radical que as décadas vindouras irão assistir seja aquela relacionada com o pensamento - e com a prática - moral. Vivemos sob o domínio de um modo de pensar que atribui à generosidade o papel de virtude, sendo o egoísmo o vício. Sabemos que a humanidade se divide essencialmente entre estes dois tipos, onde predomina uma ou outra destas posturas. A proporção das pessoas desta ou daquela forma é mais ou menos a mesma, distribuída igualmente entre os sexos. Egoístas se alimentam das dádivas dos generosos. Estes se sentem melhores e superiores por causa disso. Os primeiros se sentem espertos e um tanto humilhados com seu procedimento, que é típico das crianças ainda fracas e dependentes. Na realidade, compõe-se uma espécie de recíproca dependência, uma vez que os que se dispõem a dar mais do que recebem necessitam deste tipo de auto-afirmação. Alianças deste tipo se estabelecem no amor e também nas relações profissionais.

Voltaremos a pensar, como Aristóteles o fez há 24 séculos, que a virtude está na temperança, no meio. Qualquer desvio, tanto na direção do excesso como de escassez daquela propriedade, será entendido como vício igual. Generosidade e egoísmo são, pois, vícios complementares. A virtude será o ponto de justiça. Só os justos serão vistos como portadores de um modo de ser equilibrado, onde não predomina nem a vaidade intelectual e nem as fraquezas operacionais. O desaparecimento dos generosos trará como conseqüência inevitável o fim dos egoístas; estes não terão a quem parasitar e tratarão de evoluir. Finalmente desaparecerá este duplo modo de se comportar e de pensar que hoje tanto nos confunde e nos impede de educar nossos filhos. Com qual modelo irão eles se identificar quando o pai é de um modo e a mãe do outro?
Pessoas justas construirão famílias onde a justiça irá prevalecer, onde os privilégios indevidos não existirão. Pessoas justas construirão ambientes de trabalho onde não irão mais acontecer de uns fazerem a maior parte do esforço e outros levarem os louros e as glórias. Pessoas justas não se deixam explorar. Exigem direitos iguais aos que atribuem aos outros. Não querem mais e nem menos do que aquilo que merecem. Pessoas justas construirão sociedades mais justas, nas quais as diferenças de talento definirão privilégios para uns, mas não às custas da miséria dos menos dotados.

Até aí o discurso parece o de um homem de bem sonhando com um mundo melhor, que poderá ou não ocorrer. O que me deixa fascinado é que acredito que isto irá acontecer mesmo que não seja este o desejo daqueles que nos governam; e mais, irá acontecer independente da vontade dos nossos intelectuais e pensadores. Acontecerá em virtude das alterações nos processos econômicos mundiais e será simultâneo, pois se dará ao mesmo tempo de todos os cantos do planeta. Acontecerá não por vontade dos humanistas e sim por causa dos desígnios das novas leis da economia.
A "globalização" que estamos assistindo é processo irreversível. A competição entre empresas, países, modos de produção tenderá a crescer cada vez mais. O que acontecerá dentro das empresas? Elas terão que desenvolver um sistema de convívio interno extremamente competente e cooperativo para que possam se tornar competitivas em relação à concorrência. Ora, o desenvolvimento deste ambiente cooperativo só será possível se os participantes daquele grupo de trabalho forem justos. Se forem, como hoje, egoístas e generosos, viverão às turras, uns explorando e se sentindo pouco competentes para o trabalho efetivo enquanto que outros se sentirão competentes e mal reconhecidos pelos seus feitos. A recíproca rivalidade e inveja é responsável por tensões e competições internas que tornarão pouco competitivas as empresas assim constituídas e que necessitam de toda a energia para a disputa externa.

As empresas terão que ser como times de futebol - ou de qualquer outro esporte - onde o interesse coletivo terá que prevalecer sobre os óbvios e fortes interesses individuais. As pessoas finalmente compreenderão que o seu sucesso depende mais do que tudo do sucesso do grupo. Com isto surgirá, por necessidade e não por ideologia ou convicção, a prazerosa sensação de solidariedade e cooperação. Serão sentimentos que tenderão a se estabelecer porque são muito agradáveis. As empresas demitirão aqueles que não se integrarem neste sistema cooperativo capaz de promover a máxima produtividade e fazer delas vitoriosas nas crescentes competições do mercado internacional. Os egoístas terão que se reformar sob pena de ficarem sem trabalho. Os generosos não poderão mais exercer suas peculiaridades porque não existirão pessoas diferentes deles no ambiente de trabalho.

Aos poucos, e sem que nos apercebamos, todos teremos nos tornado pessoas justas. E isto acontecerá pelo caminho mais inesperado, qual seja, o do estabelecimento de um modo de vida de tal forma competitivo - derivado das novas regras da economia mundial - em que não poderemos mais sustentar a antiga divisão entre generosos e egoístas.

Discutindo a Cientificidade da Parapsicologia

Adaptado do artigo de Francisco Mozart Rolim no Blog Parapsi.


Desde suas origens a Pesquisa Psíquica ou Parapsicologia sofre ataques e preconceitos, seja pelo caráter fantástico de seu objeto de estudo, pela dificuldade ou impossibilidade de se reproduzir alguns de seus achados em ambiente controlado ou pela subjetividade de certos fenômenos. O fato é que a Parapsicologia, definida como o estudo de certos fenômenos psíquicos de origem supostamente sobrenatural e associados à experiência humana, analisa a natureza das faculdades mentais, sendo estas não totalmente compreendidas por seus estudiosos. Tais fenômenos desafiam muitas vezes as crenças, o senso comum e o establishment científico atual, o materialista. A possibilidade de que o conhecimento pose ser obtido por vias anômalas e de que a mente possa ser um substrato não redutível às funções sistêmicas sempre foram alvo de ataques por céticos e críticos. O que muitos ignoram é que várias experiências controladas e observações fenomenológicas foram replicadas vastamente, eliminando a possibilidade de fraudes e explicações “normais”. Entretanto, persiste um véu de desconhecimento ou mesmo de ignorância acerca dos achados, levando o grande público a um completo estado de ausência de tais achados.


Há bastante discussão atualmente acerca do Materialismo. Penso que este paradigma, conforme consta hoje, é insuficiente para elucidar completamente a natureza da nossa realidade. Se a relação matéria/energia pode explicar de forma parcimoniosa a totalidade dos fenômenos, então se deve estender em muito o atual conceito de matéria. A própria Consciência, juntamente com seus temas acessórios (memórias, experiência de primeira pessoa, volição e criatividade) não são devidamente explanadas por modelos fisicalistas. Considero que, caso o paradigma esteja incompleto, ele deve ser redefinido. Se estiver errado, deve ser abolido.








terça-feira, 7 de junho de 2011

A sutentável Leveza do Viver Cristão

Artigo de Walter Pacheco.

Bem mais diferente do que a maioria da população em geral possa imaginar, ser um cristão verdadeiro é possível, é leve e agradável. Embora a figura de que ser crente significa para muitos a renúncia de prazeres valorizados pela sociedade moderna, renúncia pessoal e material, servidão, extrema humildade e em alguns casos descrédito, tudo isto não passa de um estereótipo.

A vida cristã significa, pela própria concepção da palavra, uma vida que se encontrou verdadeiramente com Cristo. E quem se encontra com Ele torna-se uma pessoa diferente. Para melhor. O convite que Jesus faz a todos é o seguinte: "venham a mim todos os que estão cansados e sobrecarregados e eu vos aliviarei... pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve", Mt 11: 28, 30. É um convite acompanhado de uma promessa - venham, que eu vos aliviarei.
É um convite sugestivo - a troca de um jugo insuportável, uma vida sobrecarregada, sem significado, oprimida, por uma proposta suave e leve.
Portanto, aquela pessoa que tem um encontro com Cristo passa a ter uma vida diferente. Assim o é, pois a Palavra de Deus afirma que "aquele que tem o filho tem a vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida", I Jo 5:12.

A vida cristã também abrange a liberdade em seu amplo sentido. Sentimento de libertação do temor da morte e do que vem depois dela, sentimento de paz e de bem-estar com Deus, sentimento de proximidade de Deus, sentimento de perdão de pecados e eliminação do senso de culpa, são algumas manifestações da vida cristã em uma pessoa convertida.

Quem segue o verdadeiro cristianismo manifesta características inconfundíveis de alguém que teve um encontro pessoal com Cristo.

Vejamos algumas destas características encontradas em II Co 2:14: "Graças, porém, a Deus que em Cristo sempre nos conduz em triunfo, e, por meio de nós, manifesta em todo o lugar a fragrância de seu conhecimento".

A primeira: otimismo indestrutível. Graças, porém a Deus. A gratidão a Deus é uma marca inconfundível do cristianismo radical. Mesmo em meio a privações, provações, dificuldades e necessidades o cristão manifesta sua gratidão a Deus. É a certeza da proximidade do triunfo. Os cristãos mencionados no livro de Atos dos apóstolos são a prova dessa realidade. Em meio a riscos de vida e perspectiva desanimadora Paulo e Silas, ao serem lançados no cárcere interior da cadeia de Filipos, tendo as costas em carne viva, sangrando, com os pés presos a troncos, com um futuro incerto, não sabendo o que lhes estaria destinado na manhã seguinte, irromperam em cânticos - um indestrutível otimismo e ação de graças.

A segunda característica está intimamente relacionada à primeira - sucesso constante. Paulo diz: " Cristo sempre nos conduz em triunfo" . Não em certas ocasiões, nem vez por outra, mas sempre. Após a prisão no cárcere de Filipos o triunfo em meio aquela situação veio em seguida - um terremoto abalou as estruturas do cárcere e todas as portas e grilhões foram destruídos. E Paulo acrescenta em sua carta aos filipenses, que as coisas que lhe aconteceram era para o progresso do evangelho (Fp 1:12). E realmente era. Quando preso em Roma, certa feita, acorrentado dia e noite a um membro da guarda imperial de César, transmitia àqueles soldados romanos as "inescrutáveis riquezas de Cristo". E a conseqüência era que todos aqueles moços estavam sendo levados ao conhecimento de Cristo, um a um. Em Fp 4: 22 encontramos: "todos os santos vos saúdam, especialmente os da casa de César". O triunfo, é portanto, outra característica inconfundível do cristianismo autêntico.

A terceira marca distinta de que a vida cristã é leve e suave é que ela causa um impacto inesquecível: "...e, por meio de nós, Deus manifesta em todo o lugar a fragrância do conhecimento de Cristo". Aqui está um dos mais belos símbolos pelos quais Deus ensina a verdade. É a fragrância, o perfume.

A vida que refletir essa característica impulsionará as pessoas ao redor ao questionamento e causará um forte impacto. Quem não percebe a entrada em um recinto de alguém perfumado? Chama a atenção e causa impacto. Da mesma maneira a vida cristã autêntica deve refletir essa característica.

Outra marca distinta de um cristianismo genuíno e não estereotipado é uma integridade irrefutável. "Porque nós não estamos, como tantos outros, mercadejando a Palavra de Deus; antes, em Cristo é que falamos na presença de Deus, com sinceridade e da parte do próprio Deus", (II Co 2:17). Diz respeito a pessoas sinceras, que falam da parte do próprio Deus, e na presença do próprio Deus. O verdadeiro cristão se apresenta como uma pessoa sincera, objetiva, honesta, digna de confiança, responsável e fiel.

Mas, "quem porém, é suficiente para coisas desse tipo?" (II Co 2:16). Na verdade, qual o cristão que possui a real capacidade de manifestar sempre um espírito alegre e confiante... de sair sempre triunfando... de exercer forte influência sobre outros... de ser totalmente digno de confiança... e de demonstrar todas estas qualidades de tal forma que ninguém possa duvidar delas?

Paulo não nos deixa a procurar no escuro a resposta de sua penetrante pergunta. Ele nos dá a resposta direta em II Co 3:4-6: "E é por intermédio de Cristo que temos tal confiança em Deus; não que nós mesmos sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica". Viver em tais bases, afirma Paulo, é estar habilitado para ser ministro da nova aliança. Esta nova aliança é aquela a que Jesus se referiu quando passou o cálice aos seus discípulos, ao instituir a ceia do Senhor. "Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, derramado em favor de muitos, para remissão dos pecados". O cálice, quando tomado juntamente com o pão, deve relembrar-nos da verdade central de nossa vida: Jesus morreu por nós, para que possa viver em nós. É sua vida em nós que constitui o poder que nos capacita a viver a verdadeira vida cristã. Isto é a Nova Aliança.

Para viver plenamente esta nova aliança o cristão precisa possuir fundamentos espirituais seguros e sólidos que o levem à manifestação das características vistas anteriormente. Vejamos alguns desses fundamentos.

Andar como ministros de Cristo. "Assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus" (II Co 4:1). Os cristãos precisam agir como gerentes e administradores dos mistérios de Deus. Somente um conhecimento mais profundo das coisas de Deus pode habilitar o cristão a agir como ministro e despenseiro dos mistérios divinos.

Apropriar-se da plenitude da situação de cristão. "Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido..." I Pe 2:9.
Quando o cristão apropria-se destas verdades passa a viver de uma maneira mais abençoada e próspera. Não confessará derrotas em sua vida nem dará lugar às obras carnais, pois estará desempenhando um sacerdócio real diante de Deus, como príncipe, como um escolhido, como parte do povo santo e adquirido. Alguém tão especial no plano de Deus que não pode ser comparado a um "João-ninguém" .

A excelência do poder vem de Deus. "Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós..." (II Co 4:7). Cada cristão deve comparar sua vida a um vaso de barro, frágil e que necessita certo cuidado. No entanto, este vaso possui em seu interior algo muito valioso: o poder de Deus.

O ateísmo lúcido [e desnorteante] de Lovecraft


Mais uma do Paulo Brabo.

Meu professor de redação H. P. Lovecraft, de quem herdei o vício de abusar de adjetivos, era um ateu convicto, ocasionalmente militante. A mesma convicção materialista que o fez eliminar dos seus contos de terror qualquer traço do sobrenatural levou-o a duvidar de todas as manifestações tradicionais de religião.

Sua histórias não são povoadas por vampiros, fantasmas ou assombrações, e pelo mesmo motivo no seu universo não há espaço para Deus ou para intervenções sobrenaturais1. Tudo no cosmos é gerado pelo acaso, e este domado apenas pelas leis cegas da física. No grande contexto do universo, a vida orgânica na terra não passa de “um acidente minúsculo e temporário”, sendo a própria humanidade “um acidente ainda menor e mais temporário”.

Essas convicções, mais ou menos populares hoje em dia, estavam longe de serem comuns na década de 1930, a última do autor. Acho particularmente notável, no entanto, que a grande reserva que Lovecraft encontrou para apresentar contra o cristianismo não foi o fato de a fé cristã pressupor um universo sobrenatural que contrariava sua visão de mundo materialista. Sua indignação era ao mesmo tempo mais profunda e mais lúcida2:
O cristianismo não tem como ser levado a sério. É ingênuo e anticientífico culpar o mundo por não se conformar a ele – visto que se trata de uma ilusão quimérica e poética totalmente alienígena à natureza humana. [O cristianismo] é absurdo, porque nenhuma raça ou nação poderia (ou deveria) jamais chegar a conformar-se a ele.
E basta este trecho para Lovecraft se mostrar mais agudo e inclemente do que Richard Dawkins ou qualquer outro ateu militante da nova geração. Em particular, Lovecraft enxerga que o cristianismo é uma ameaça para o conceito de raças e nações justamente por propor um ideal elevado demais, um sonho de fraternidade aparentemente impraticável e “totalmente alienígena à natureza humana”.

Ao contrário dos ateus militantes contemporâneos, ele sabe avaliar o verdadeiro peso do seu adversário. Para Dawkins, o cristianismo é uma ameaça à civilização por ser uma religião como as outras; para Lovecraft, é uma ameaça justamente por não ser uma religião, já que as religiões tendem a apoiar e legitimar o estado de coisas.

Para Dawkins o cristianismo é um risco perene porque recusa-se a reconhecer a natureza última da realidade; para Lovecraft, ele é um risco porque sonha teimosamente poder alterá-la. Para Dawkins, o cristianismo é uma ameaça por patrocinar a injustiça; para Lovecraft, é uma ameaça por sonhar uma justiça excessiva: por ser uma intransigente ingenuidade e uma declarada insensatez, uma poesia que pode transtornar o mundo se raças e nações não resistirem ao apelo evangélico de conformarem-se a ela. Para Dawkins o escândalo está em, diante de todas as evidências, o cristianismo recusar-se a reconhecer que não há céu; para Lovecraft está em, diante de todas as improbabilidades, o cristianismo insistir em implantá-lo na terra.

Dos dois, só Lovecraft sabe do que está falando.