terça-feira, 16 de julho de 2013

Fazendo Jus ao título deste Blog: A Loucura segundo Erasmo

Texto original de  , do Itinerário Interno.

O Elogio da Loucura é um livro de Erasmo de Rotterdam, um humanista e teólogo que viveu durante a idade média, este livro é um ensaio escrito em 1509 e publicado em 1511. Esta obra é uma total sátira a sociedade dos séc. XV e XVI, Erasmo tinha por objetivo fornecer uma nova visão eclesiástica e renovar a igreja, pois tentou mostrar a sociedade um espelho de si mesma, porém seu escrito acabou tornando-se atemporal.
O Elogio da Loucura é um livro de Erasmo de Rotterdam, um humanista e teólogo que viveu durante a idade média, este livro é um ensaio escrito em 1509 e publicado em 1511. Erasmo nasceu em 1465 na cidade de Rotterdam, Holanda. Foi um intelectual que viveu em um convento onde se entregou aos vários clássicos da literatura greco-latina e ao mais diversos autores da Idade Média, sua época. Ordenado padre, teve contato com padres, bispos, papas, reis, cardeais, etc. Foi amigo de Thomas Morus, amigo a quem ele dedicou o prefácio de O Elogio da Loucura.

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“Foi pelo fato de ter pensado, no início, em teu próprio sobrenome Morus, tão próximo ao da Loucura (Moria), quanto realmente longe dela estás e, certamente, é seu maior adversário, segundo o conceito que em geral dela se tem.” (carta a Thomas Morus)

Erasmo era cristão, porém com uma visão além de seu tempo para ver as falhas que existiam no fanatismo religioso e na opressão causada pela igreja católica, não esqueçam que ele era teólogo, e dos bons. Ele foi um dos responsáveis pelos pensamentos críticos da sociedade da época que foi base da Reforma Protestante. Agora vamos ao livro... Erasmo de Rotterdam não faz uma crítica apenas à religião fanática, mas também a muitos comportamentos e pensamentos da sociedade, não apenas da sociedade da época, mas de um modo completamente atemporal, já que o maus costumes humanos não são perdidos.

O Elogio da Loucura

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Segundo o Aurélio, a loucura é definida como um estado ou condição de louco, de insanidade mental.
Buscando na internet achei esta definição: “A loucura ou insânia é uma condição da mente humana caracterizada por pensamentos considerados "anormais" pela sociedade. É resultado de doença mental, quando não é classificada como a própria doença. A verdadeira constatação da insanidade mental de um indivíduo só pode ser feita por especialistas em psiquiatria clínica.”

O Elogio da Loucura é uma total sátira a sociedade dos séc. XV e XVI, onde ele tinha por objetivo fornecer uma nova visão eclesiástica e renovar a igreja, pois tentou mostrar a sociedade um espelho de si mesma. Seu escrito acabou tornando-se atemporal, pois se você ler O Elogio da Loucura hoje, ainda verá uma sociedade vivendo com os mesmos males e problemas de séculos atrás, a hipocrisia e a perda dos valores da vida ainda são constantes. 

A loucura, como a definição gramatical, é a insanidade mental, porém ele não define esse termo ao pé da letra, como uma condição humana que podemos adquirir, ele trata a loucura de uma forma externa ao homem, e o homem só será louco se desejar ser.

Em seu livro ele criou a "Deusa da Loucura", um divindade que metaforicamente é responsável por todos esses maus comportamentos humanos, ela se auto elogia de ser a única forma de fazer o homem sentir-se bem perante seus atos que afrontariam e afrontam as demais divindades, como a luxuria, o fanatismo, etc. A Loucura é filha de Plutão, ela conta sua origens neste trecho:

“Nasci de Plutão(...). Meu pai foi um Plutão ainda robusto, cheio do calor da juventude, e não somente por sua juventude, mas também, sem dúvida, pelo néctar que acabara de sorver avidamente ao goles no banquete dos deuses” (VII – A Origem da Loucura).

A Deusa da Loucura dá ao homem tudo o que ele quer e pode fazer, ela afronta o outros deuses que disponibilizam apenas "alguns favores" a humanidade. Por exemplo, seguindo os preceitos cristão o homem deve ser bom e evitar ao máximo ser corrompido com os devaneios da vida, a loucura entra nesse ponto, ela é a desordem e protege o homem por ter cometido tais atos, a Loucura exerce um poder que não é tirânico nem ditador, a Loucura é a própria alegria...o próprio delírio onde o homem eternamente encontrará o seu conforto. Neste post vou deixar alguns trechos e alguns comentários das partes que mais me chamaram a atenção durante esta leitura.

“Não ponho a máscara como aqueles que pretendem representar um papel de sábios e andam desfilando como macacos vestidos de púrpura e como asnos com peles de leão. Que se vistam com disfarces quando quiserem que suas orelhas sobressalientes sempre revelarão um Midas oculto.” (Capítulo V – A Sinceridade da Loucura)


O interessante da abordagem feita referente a Loucura é de que ela é a verdadeira Verdade, não há por que negar seus atos e sua verdadeira função perante à vida, os homens consideram a Loucura uma total insanidade para fugir de sua responsabilidades, é por este motivo que ela se auto elogia, pois o homem não a considera, por mais que esteja precisando dela durante cada segundo de sua vida. Este sentimento raiva da Loucura perante a atitude humana é mostrada neste trecho:

“Não posso deixar de registrar meu espanto pela ingratidão dos homens, ou por suas indiferenças. Todos há séculos gozam de minhas benesses, mas nunca houve um só homem que testemunhasse seu reconhecimento e elogiasse a Loucura.” (Cap. III – A Loucura se Auto- Elogia) .

Segundo a própria Loucura, ela é responsável pela perpetuação da espécie humana, pois as pessoas agem sem razão perante seus atos, que para nós são realizados com ávida consciência de que aquilo é o certo e melhor para si e para os outros. Esse foi um dos trechos mais satíricos que pude conferir no livro, interessante ver que ela trata a Irreflexão também como uma divindade e sendo sua serva:

“(...) Qual mulher haveria de procurar um homem, se refletisse melhor sobre os perigos inerentes ao fato de colocar um filho no mundo e criá-lo? Como vós deveis a vida ao casamento, deveis o casamento à minha serva, a Irreflexão.” (Cap. XI – A Loucura Perpetua a Espécie Humana). 

É muito comum fazermos uma relação entre velhice e sabedoria, mas por que fazemos isso? Desde que criança vemos os grandes sábios da história em uma imagem típica, onde estão debruçados em livros ou em pensamentos vagam pelo mundo, são idosos que cultivam cabelos e barbas brancas como nuvens. Ao tratar deste assunto todo teremos algum intelectual em mente que colaboraram para mudar os pensamentos da humanidade ao longo dos séculos, como: Platão, Aristóteles, Galileu, Darwin, Nietzsche, Arquimedes, Da Vinci, Michellangelo, a assembleia dos anciões da Grécia Antiga, etc.

 Além desta imagem de velhice associada a sabedoria, ainda nos vem em mente uma reclusão social e dificuldade de relacionamento em que intelectuais se encontram. Segundo a Loucura, esses homens não a veneram, vivem totalmente a parte de seus benefícios e é por este motivo que a Loucura os critica, mais adiante no livro ela ainda trata a respeito das fraquezas que poderiam existir em um governo tecnocrata.

“Não observais por acaso, a pessoa melancólicas, mergulhadas na filosofia e nas dificuldades de suas ocupações, quase toda envelhecidas sem antes gozar de sua juventude.” (XIV – A Loucura Prolonga a Vida).

Que criatura no mundo pode ser mais louca que a mulheres? Eu mesma, que vos escrevo este texto sou uma, e a própria Loucura é mulher. Por que nos autodenominar loucas? Assim como já escrevi anteriormente: que mulher se entregaria ao matrimônio e a maternidade sem antes refletir sobre tudo, aguentar indiferenças constantes e as dores do parto, a infância e a juventude rebelde dos filhos ou a perda de sua liberdade? Não vou generalizar, pois nem todas as relações são deprimentes, mas nós, mulheres, bem sabemos tirar proveito de todas as bênçãos da Loucura. A mulher vive em um reino de fantasias, ludibriada coloca seus sonhos em um casamento... Um vestido branco... Um buquê... A utópica vida a dois... A mulher é fortemente ligada à simbologia da pureza. No fim, nós mulheres do séc. XXI, ainda muito nos comparamos com as tais Mulheres de Athena de Chico Buarque que “Vivem para os seus maridos”.

“As mulheres poderiam se irritar comigo por lhes atribuir a Loucura, comigo que sou mulher também e a própria Loucura? Certamente que não. Observando bem, é esse dom da loucura que lhes permitem serem, sob muitos aspectos, mais felizes que os homens.” (XVII – A Loucura Torna as Mulheres Amáveis).

Segundo a Loucura “Para viver como homem é preciso abster-se de sabedoria”, e como exemplo ela cita Sócrates que foi condenado a beber cicuta, devido ter sido culpado de tanta sabedoria que afrontou os princípios de sua sociedade, perdeu-se em estudos e esqueceu o mundo ao seu redor. No capítulo XXIV a Loucura faz uma crítica há um governo tecnocrata, ela cita e critica a máxima de Platão:
“Felizes das repúblicas cujos filósofos fossem governantes ou cujos governantes fossem filósofos”.

A intolerância desta Deusa é devido ela ser deixada de fora durante um governo com tal princípio político, pois somente haveria espaço para racionalidades e filosofia, já que os filósofos são seus maiores inimigos. Veja o trecho de suas críticas:

“...O pior governo sempre foi aquele de alguém versado em filosofia ou em literatura. A exemplo dos dois Catão, a meu ver, é inclusivo; um colocou praticamente a República de ponta cabeça por suas extravagantes denúncias. O outro ao defender com excessiva sabedoria e liberdade do povo romano, acabou por compromete-lo definitivamente.” (XXIV – A inferioridade da Sabedoria do governo).

Em um governo sábio não haverá espaço para a política de pão e circo, e se não há circo não há entretenimento, e se não há entretenimento... Não haverá Loucura. Mais uma vez a Loucura critica a Sabedoria, maldita figura intrometida em seus afazeres cotidianos, esta semideusa sempre buscando mostrar a realidade ao humanos e a eles propor sofrimentos e angústias.

A sabedoria mostra ao homem a realidade e frente a ela ele não mais consegue retornar ao seu ponto inicial, é como a caverna de Platão, ele muito busca desprender-se do meio comum, mas ao conhecer além, ele não sabe o que fazer, então o que lhe resta e vagar pelo mundo lamentando sua sorte que outrora foi seu maior desejo como o misantropo Timon do deserto.

“Convidai um sábio a um banquete e vereis que se tornará um estraga prazeres por seu melancólico silêncio ou por suas importunas dissertações. Convidai a um baile e haverá de dançar como um camelo que corcoveia. Levai a um espetáculo e bastará seu aspecto para silenciar o povo que diverte, obrigando os organizadores a retirá-lo, como ocorreu com Catão que não conseguiu se desfazer de seu ar carrancudo” (XXV- A Inferioridade da Sabedoria na Vida do Homem).

Então não seria a Loucura o principal meio de alcançar a verdadeira sabedoria? Na verdade nós, humanos, não sabemos qual é a sabedoria que precisamos, se é aquela de intelectuais contida de manuscritos remotos até era da digitalização ou a sabedoria proveniente no conhecimento do mundo como um ser humano dotado de liberdade e curiosidade. Nossas obrigações nós impõem inevitavelmente a hesitação para toda e qualquer ação por medo de errar em algum ponto e é este medo que ao mostrar o perigo, nos impede da ação.

Somente a loucura pode nos privar de tal pensamento negativo, e, somente com ela poderemos alcançar a verdadeira felicidade e/ou a vida que buscamos, a partir de tentativas impulsivas conhecemos a realidade do mundo ao redor. O louco é guiado pelas paixões e o sábio pelas razões, as paixões nos ferem, mas são elas que nos movem para inúmeros aprendizados, nossa paixão refletida no amor, na família, na profissão, etc. Basta analisar que se somente seguirmos a razão mais em frente veremos que nossa vida foi baseada em um ideal falso, apenas para fazer parte do todo.

“De tanto perseguir os animais selvagens e de alimentar-se de suas carnes, os caçadores acabam se assemelhando a eles. Não obstante, acreditam levar uma vida de reis.” (XXXIX – Várias Forma de Loucura) “O sábio se refugia nos livros antigos e nele só aprende frias abstrações. O louco, ao enfrentar a realidade e os perigos, adquire a meu ver, o bom senso.” (XXIX – A Verdadeira sabedoria é a Loucura). 

Como já disse na primeira parte deste texto, Erasmo foi conhecido pela grande crítica que fez ao clero e a burguesia, por mais que ele fosse um teólogo amplamente respeitado e desejado pelo Vaticano. Quem ler este livro sem antes ler sobre Erasmo, provavelmente vai achar que foi escrito por um rebelde agnóstico ou ateu, pois suas críticas à religião são espontâneas e claras perante a realidade da época, que com o passar do tempo tornou-se atemporal.

Na minha opinião as abordagens que analisam o fanatismo religioso são sem dúvida os mais interessantes devido ao satírico que ele emprega em sua escrita. Veja este trecho onde ele critica a rezas e as indulgencias:

“O que dizer daquele que alimenta de fórmulas mágicas e de orações inventadas por um piedoso impostor, vaidoso ou ávido, por meio das quais se promete riquezas, honras, prazeres, abundância, saúde sempre sólida, viçosa velhice e, para encerrar, uma cadeira no paraíso, junto ao lado de Cristo! (...) Quem é mais feliz do que aqueles que recitam todos os dias os sete versículos dos Salmos pensando desse modo alcançar a felicidade dos eleitos? Ora, esses versículos mágicos teriam sidos revelados por um demônio, por brincadeira a São Bernardo.” (XL – Os Supersticiosos).

Gostou desta obra magnífica e atemporal? Deixei aqui apenas alguns comentários referentes a alguns trechos do livro, creio que você vai se deliciar com o restante desta obra, então... Boa leitura!

NOTA MISERÁVEL:

Dei uma lida nessa obra do holandês e, como não podia deixar de acrescentar que Erasmo foi um dos patronos da Reforma Protestante, que devido aos seus ideais libertários, teve até mesmo uma discórdia acalorada com ninguém menos que Lutero, o principiador da Reforma. Daí o fato de ter soado parecido com um subeversivo agnóstico/ateu. Sua proposta de uma Igreja hospitaleira e tolerante poderia ter marcado para melhor o legado cristão no Ocidente, mas infelizmente tal proposta se perdeu parcialmente na história.

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