sexta-feira, 11 de março de 2011

O fim de uma era não é O Fim De Tudo, ou O Gentil Martírio Dos Desconversos

Desinteressadamente refletido por Paulo Roberto Purim - o Brabo.



"Não teve por usurpação ser igual a Deus – ao contrário, aniquilou-se a si mesmo."
Filipenses 2:6,7


Que o ocidente encontra-se em franco processo de secularização a ninguém ocorreria negar. Cada dia se levanta e encontra Deus mais distante do centro do palco, onde uma vez incontestavelmente esteve. Menos gente se considera religiosa, menos gente acredita em Deus, menos gente fala com ele. Menos gente se mostra disposta a moldar o seu comportamento diante da ameaça do inferno e do pecado; menos gente acredita em milagres, menos gente os espera e os pede. Há menos orações públicas, menos crucifixos nas paredes, menos menções a alguma divindade na festa de entrega do Oscar. Menos gente recorre a Deus para prover ajuda, e mais gente duvida que Deus seja capaz de prover qualquer ajuda.

Porém, entre os que ainda creem, há uma linha de pensamento1para a qual a secularização do mundo não representa uma vitória de Satanás e o lamentável afastamento da humanidade da promessa da salvação e dos exigentíssimos ideais do evangelho. Muito pelo contrário: o radical escanteamento de Deus, sua paulatina retirada do palco dos acontecimentos e das decisões, não deveriam ser encarados como derrota ou como ameaça, mas como a necessária consequência e a execução final daquele que era seu plano desde o começo. O divino afastamento seria o último e definitivo passo no processo de kenosis – o sacro esvaziamento vaticinado por Paulo no segundo capítulo da carta aos Filipenses e formidavelmente corporificado em Jesus.

Os cristãos, em especial os de matiz evangélico, costumam tomar por diretriz – sem de fato ponderar as implicações da coisa – que o planeta só deverá ser considerado realmente salvo quando todos sobre ele se mostrarem devidamente religiosos. Só diante da conversão completa, só depois que a religião ocupar cada espaço da vida, e em cada um, a boa nova do Reino será vitoriosa e seus arautos poderão descansar. Porém são cada vez mais numerosos os que acreditam encontrar, na Bíblia e na tradição, ampla evidência do contrário: só num mundo em que Deus não precise mais ser ensinado ou mencionado a sua boa nova se mostrará finalmente vitoriosa, finalmente relevante.

Ora, ambos os testamentos sonham com um momento em que a lei estaria gravada não em regras escritas mas nas tábuas do coração, um momento em que Deus seria adorado não em ritos ou palavras, não neste lugar de adoração ou naquele, mas em espírito – isto é, de verdade e na vida real. Apocalipse fala de uma Nova Jerusalém em que não haverá templo, e Bonhoeffer entreviu num fulgor que o cegava a aurora do cristianismo secular. Diante de tonalidade subversiva do Novo Testamento – que enxerga a cruz como vitória, que sustenta absurdamente que para ser grande é preciso ser o menor, e que insiste que Jesus deve estar ausente para que seu espírito esteja presente, – não é inconcebível que a morte de Deus no nosso mundo, aquela proclamada por Nietzsche, represente na verdade a sua incontornável vitória. Talvez a divindade seja humilde o bastante para sonhar com o momento em que será finalmente desnecessária; talvez seja magnânima o bastante para colocá-lo em prática.

Em outras palavras, o afastamento de Deus em palavras e rituais pode representar (ou ser requerimento para) a gradual assimilação de seu espírito por parte da humanidade. Se for assim, a secularização deve ser interpretada como a culminação de um processo apenas iniciado na Encarnação e na descida do Espírito. Quem sabe seja precisamente isso o que devamos entender em vertigens como “onde há o espírito de Jesus há liberdade” e “não os chamo mais de servos, mas de amigos”. É Jesus entendido com o arauto de uma formidável era na qual Deus não deseja servido; uma era na qual Deus não quer seguidores oficiais como o sacerdote e o levita, só quer amigos como o bom samaritano.

Se menciono o assunto, que requer melhor exposição e melhor defesa do que acabei de prover, é porque a coisa veio-me em mente enquanto pensava em dois caríssimos amigos que tomaram recentemente um passo semelhante de secularização. Os dois não se conhecem, mas em outro tempo trilhei com os dois o caminho cheio de recompensas do ativismo religioso. O que têm em comum, além desse espaço compartilhado na minha gratidão, é que no decorrer do último ano ambos encontraram espaço para me confessar – sem proselitismo, sem rancor e com toda a gentileza – que abriram mão não só dos confortos da igreja institucional, mas também os da crença na existência de Deus.

Em ambos os casos essa revelação representou um momento de infinita ternura; poucas vezes experimentei com essa inteireza a amizade, o amor e a comunhão com outro ser humano. Em especial, o instante foi pontuado pela singela graça do retrospecto e da antecipação: o fato de conhecer por experiência a integridade e o amor dessa gente, e a enormidade de saber que nada mudaria em sua postura a despeito da confissão de que haviam me achado digno.

A última vez que meu coração se enchera de ternura semelhante tinha sido diante da recatada conversão de Shayllon Marinho, que antes de dobrar-se à persuasão de Jesus era o mais cavalheiresco, articulado e gentil dos ateus militantes da internet brasileira – e que quando falamos pela última vez tivera apenas a porção ateu militante eliminada do seu caráter. Lembro ter sorrido sozinho ao concluir que Shayllon era figura tão evidentemente grande que nem mesmo o fato de estar tornando-se crente seria capaz de corrompê-lo.

A contradição – aparente contradição – está em que meus dois amigos moveram-se recentemente para longe da crença em Deus pelo mesmo motivo que levou Shayllon a mover-se em direção a ela: a irresistível influência da pessoa de Jesus.

Porque Jesus, debaixo de cuja sombra viveram a maior parte da vida, aparentemente acabou ensinando a meus dois amigos a mais libertadora e terrível das lições, a de que Deus é amor – é apenas e literalmente amor, – e que o amor não exige recompensa e não a espera. Se a prática da virtude depende da eterna vigilância e da promessa do céu, não é de fato virtude. Quem faz o bem esperando recompensa já recebeu, como diria o próprio Jesus, a sua recompensa. Os pecadores, afinal de contas, fazem o mesmo.

Em sua assustadora consistência pessoal, ambos aparentemente não encontraram alternativa de integridade além de recuar do espaço confortável da certeza da recompensa. Abraçaram, a seu modo, as assombrosas implicações do sacro esvaziamento, akenosis.

Essa noção de recato como exibição de genuíno heroísmo cristão já havia sido, como todas as coisas, antecipada na literatura. Está presente, por exemplo, na conclusão do Três versões de Judas de Borges, em que o Salvador, recusando-se a assumir os méritos tão evidentes de Jesus de Nazaré, prefere aniquilar-se a si mesmo, “não tendo por usurpação ser igual a Deus”. Ao rebaixar-se à humanidade, Deus escolhe levar o princípio da encarnação às últimas consequências e abraça completas rejeição, incompreensão e ignomínia: escolhe ser Judas Escariotes.

O mesmo movimento de divino recuo está, de forma ainda mais singela e pungente, apresentado em São Manuel Bueno, Mártir, última obra de Miguel de Unamuno, à qual conduziu-me, com medidas iguais de inclemência e graça, o Alessandro Rodrigues Rocha. Manuel Bueno é a história desiludida (pelo menos na superfície) e avassaladoramente terna de um pároco de aldeia que deixa de acreditar em Deus mas escolhe não revelá-lo a ninguém, continuando a cuidar de suas ovelhas com todo o carinho e a exercer suas funções sacerdotais exatamente como havia feito quando ainda tinha fé. O peso da parábola está em que Dom Manuel deixa de acreditar em Deus mas muito evidentemente não deixa de acreditar no amor: se não revela aos seus paroquianos a sua falta de fé é precisamente porque os ama, porque não quer arrancar deles o único conforto universal que lhes resta, o da religião. O paradoxo, que todo leitor da parábola acaba intuindo, está em que nada pode haver de mais cristão do que essa atitude. O sacerdote que abandonou o cristianismo da fé mas não abandonou o cristianismo do amor torna-se emblema genuíno da encarnação, e Dom Manuel Bueno passa a representar uma nova estirpe de mártir, uma que abre mão até mesmo da consagração e do espetáculo. Sendo que a palavra mártir vem da raiz grega para “testemunha”, na perseverante integridade e no divino recato dos desconversos Deus talvez encontre o seu definitivo testemunho.

Não há credulidade ou incredulidade que resista à história do martírio de Dom Manuel, porque ela acaba demonstrando sem escapatória que diante da prática do amor tanto a incredulidade quanto a crença dissolvem-se em nada. No nosso mundo desiludido, a missão cristã pode ter de ser reescrita em “Dê evidência da existência do amor de Deus; se necessário, creia nele”. Porque se Deus é amor, Deus incrivelmente é amor.

E de fato, não é contraditório ao espírito do evangelho supor que há mais alegria no céu por um ateu que coloca o amor em prática do que por noventa e nove cristãos que dançam e cantam ritualmente ao redor dele. Ou, para fazer justiça aos meus dois amigos que abriram mão do lenitivo de Deus, para os quais “alegria no céu” pode não ser encarada como verdadeiro mérito: há mais fidelidade ao espírito de Jesus em fazer o que é certo sem esperar recompensa do que em quem forçar-se à integridade só para garantir a própria sobrevivência no paraíso.

Um Deus que faz tudo novo não deixaria de apreciar devidamente esta reviravolta. O próprio Jesus achou necessário insistir que, na avaliação final daquele dia, na divisão entre cordeiros e bodes, a integridade e o mérito não serão encontrados naqueles que julgavam-se seus abalizados portadores.

O Reino só se descreve em comparações e a boa nova pode ser mais complexa e inesperada do que dão a entender nossas mais sensatas formulações teológicas. Na verdade, para que se faça justiça à inquieta herança do Jesus dos evangelhos, tudo na nossa fé que nos oferece tranquilidade pode ter de ser corajosamente colocado de lado.

Esta, afinal de contas, é a boa nova que esclarece que não basta dizer “Senhor, senhor”. Este, afinal de contas, é o Deus que quer misericórdia e não sacrifício, o Deus que é amor e não ortodoxia. Este, afinal de contas, é o homem que explica que quem quiser preservar a sua vida irá perdê-la, e que quem estiver disposto a perdê-la irá recebê-la de volta. Não me parece injusto supor,como já fez meu amigo Ivan Volcov, que a todos caberá receber o que não esperam: a salvação e a glória, se existirem, talvez estejam reservadas precisamente para aqueles que abriram mão de esperar esses confortos.

Individualismo e egoísmo não são O Mesmo

Escrito pelo psiquiatra Flávio Gikovate em Dezembro de 2002

Individualismo é uma palavra que provoca polêmicas e mal-entendidos. Penso que quando isso acontece é porque o termo está sendo usado com múltiplos significados, o que desencadeará emoções diferentes de acordo com o modo como cada um a entenda. Individualismo é palavra que determina juízo negativo quando é usada como sinônimo de egoísmo. O mesmo acontece quando ela é usada para descrever uma pessoa incompetente para relacionamentos afetivos e para uma adequada integração em grupos de convívio.

Vale a pena uma reflexão mais rigorosa a respeito do tema, especialmente porque temos vivido uma fase da nossa história na qual cresce a tendência na direção do individualismo.O individualismo tem crescido basicamente em função dos avanços tecnológicos que nos levam a passar cada vez mais tempo em atividades solitárias, tais como o uso do computador, de “walk-man”, de jogos eletrônicos etc.; isso desde os primeiros anos de vida. É fato também que a disponibilidade da maioria das mães diminuiu porque elas hoje também trabalham fora de casa. Além disso, é cada vez mais difícil para as crianças conviverem com outras da mesma idade de forma espontânea, já que as ruas não são mais o “play-ground” que eram.

Podemos definir o individualismo como a capacidade de exercer a própria individualidade. É curioso porque a palavra individualidade tem conotação positiva, como a conquista de um estado de autonomia. Nascemos totalmente sem identidade e em estado de fusão com nossas mães. Levamos mais de 20 anos para completar o processo de desenvolvimento interior que definirá nossa individualidade. Ela é, talvez, uma das nossas maiores conquistas: conseguimos finalmente nos reconhecer como um ser autônomo, com pensamento próprio e pontos de vista construídos a partir de nossas próprias vivências -- é claro que influenciado por tudo o que nos cerca.

A individualidade nos faz consciente de nossa condição de solitários, de que todos os contatos que estabelecemos com “os outros” é um tanto precário, que nem sempre somos tão bem entendidos como gostaríamos, isso porque o modo de pensar de cada pessoa é único e a comunicação nem sempre se estabelece. Por anos lutamos contra a sensação de solidão determinada pela constituição da nossa individualidade. Creio que nós, como espécie, ainda lutamos contra essa condição e só estamos nos aproximando dela em virtude dos avanços tecnológicos que estão nos “forçando” a dar continuidade ao processo de emancipação que sempre tendemos a interromper.

Os processos contrários à individualidade fazem parte do fenômeno amoroso, da tendência que temos de nos aconchegar inicialmente em nossas mães e depois em seus substitutos adultos -- relacionamentos amorosos, patriotismo etc. Ao nos colocarmos como defensores do amor e das tendências gregárias que dele resultam nos posicionamos, nem sempre de modo consciente, contra o desenvolvimento da nossa individualidade. Passamos a considerá-la como nociva ao bem comum, como algo que nos impediria de pensar também no próximo. Para preservar o termo “individualidade”, altera-se o foco das críticas para outra palavra com significado semelhante. Aqueles que são favoráveis às causas coletivas se colocam contra o individualismo -- que significa apenas o exercício da individualidade, algo que eles mesmos consideram positivo.
Compreendo a aflição das pessoas diante de um ponto de vista novo e aparentemente contraditório com o que se habituaram; ou seja, de que o individualismo implica em egoísmo e descaso pelo outro. Do meu ponto de vista, porém, não vejo nenhuma contradição entre o exercício pleno da nossa individualidade e o desenvolvimento do sentido moral e de solidariedade social. Ao contrário, tenho observado que o incompleto desenvolvimento emocional das pessoas -- o que, na prática, implica no não atingimento do estágio individualista --- acaba por provocar condutas moralmente duvidosas.

Assim sendo, não só não creio que o individualismo não é sinônimo e nem implica em egoísmo como é forte a convicção que tenho na direção oposta: o egoísmo deriva da imaturidade emocional que se caracteriza pelo incompleto desenvolvimento da individualidade. O egoísta não pode ser individualista porque ele tem que ser favorável à vida em grupo já que não tem competência para gerar tudo aquilo que necessita. É do grupo -- ou de algumas pessoas pertencentes ao grupo -- que irá extrair benefícios. O egoísta é aquele que precisa receber mais do que é capaz de dar. É um fraco e não um esperto. Ou melhor, é esperto porque é fraco e precisa usar a inteligência para ludibriar outras pessoas e delas obter o que necessita e não é capaz de gerar. O egoísta tem que ser simpático e extrovertido. Não é assim porque gosta das pessoas e de estar com elas. É assim porque precisa delas e tem que seduzi-las com o intuito de extrair delas aquilo que necessita.

Uma outra forma de imaturidade emocional, menos dramática que o egoísmo, é a generosidade. O generoso precisa se sentir amado e benquisto. Para atingir esse objetivo faz qualquer tipo de concessão. O egoísta percebe isso -- é esperto e atento a todas as oportunidades de se beneficiar -- e trata de obter os favores práticos que o generoso está disposto a prestar com o intuito de se sentir aconchegado. Compõe-se uma aliança sólida e nociva entre esses dois tipos de pessoas imaturas e dependentes: o egoísta depende para aspectos práticos da sobrevivência e o generoso depende para aspectos emocionais de aconchego e de não se sentir sozinho. Esse tipo de aliança define um tipo comum de elo amoroso que E. Fromm chamava de sado-masoquista: o sádico é o egoísta e o masoquista o generoso. Existe uma interdependência na qual o mais poderoso -- porque o menos imaturo -- é o generoso ou o masoquista. Sim, porque até mesmo no sado-masoquismo sexual quem dá as cartas é o masoquista!

Há 34 anos venho tentando desvendar e desfazer essa trama, a meu ver muito duvidosa, que se estabelece entre os “bons” -- generosos -- e os “maus” -- egoístas. Há mais de duas décadas luto contra essa dualidade que não tem nos levado a parte alguma e que se transmite, através do exemplo, de geração em geração. Há décadas tento ver o que existe para além do bem e do mal. Tenho buscado com tenacidade e persistência um modo de ser que seja verdadeiramente moral e não esse padrão que dá virtude à generosidade e que implica obrigatoriamente na existência de igual número de egoístas. A generosidade não é virtude porque ela se exerce perpetuando o modo de ser egoísta daquele que é seu beneficiário.

Considero importante distinguir generosidade de altruísmo: esse último corresponde a ajuda anônima a terceiros desconhecidos ou pouco conhecidos, de modo que não implica no reforço do egoísmo, já que não existe trocas íntimas. Egoísmo e generosidade interagem e se reforçam de modo negativo nas relações íntimas entre casais, entre pais e filhos, entre sócios e na sociedade como um todo. Há décadas venho afirmando que o egoísmo só irá desaparecer quando desaparecer a generosidade. Ou seja, o parasita só desaparecerá quando não houver mais hospedeiro a ser parasitado. Assim sendo, todo aquele que defender a generosidade como virtude estará indiretamente defendendo a existência de egoístas!

A superação da dualidade egoísmo-generosidade corresponde ao modo de ser que chamo de justo: aquele no qual não se recebe mais do que se dá mas também não se dá mais do que recebe. O justo terá que ser um indivíduo independente tanto do ponto de vista prático como emocional. Não poderá necessitar de ninguém para as questões práticas da sobrevivência, como é o caso do egoísta. Não poderá necessitar de ninguém do ponto de vista do aconchego emocional, como é o caso do generoso. Isso não significa que não deseje estabelecer elos nos quais hajam trocas de todos os tipos. Trocas justas. Não se deve desprezar também a diferença entre necessidade e desejo. No caso do desejo, o que está em jogo é o prazer e não a necessidade, de modo que tendemos a ser muito mais cuidadosos na “contabilidade” que envolve as trocas com os que nos cercam.
Pessoas maduras emocionalmente gostam de se relacionar social e afetivamente. Por não precisarem vitalmente das outras pessoas não são obrigadas a estar com elas o tempo todo, como costuma acontecer com os egoístas, mais imaturos e dependentes. Pessoas mais maduras gostam também de ficar consigo mesmas, com seus pensamentos, seus sonhos, suas músicas, seus livros, etc. Pessoas mais maduras são aquelas que desenvolveram mais firmemente sua individualidade e chegaram a um modo de ser que lhes agrada; assim, conviver consigo mesmas também é um bom programa!

Pessoas mais maduras são, pois, individualistas, aquelas que exercitam com prazer suas individualidades. Costumam preferir um convívio social mais restrito, de modo que são mais exigentes na escolha dos seus amigos e conhecidos. Outras não se sentem muito gratificados com as interações humanas e pode muito bem ser que prefiram uma vida mais solitária. Especialmente aquelas que já se conciliaram com essa peculiaridade da nossa condição. Sim, porque é provável que uma das razões pelas quais temos demorado tanto para atingir esse estágio que pode ser chamado de nascimento emocional deriva da nossa dificuldade de aceitar a condição de seres únicos e sozinhos. Nascemos fisicamente no momento do parto e só depois de vários meses conseguimos nos reconhecer como separados de nossas mães, o que corresponde ao nascimento psicológico. Parece que precisamos mais de 20 anos para que aconteça o nascimento emocional, isso para aqueles poucos que conseguem chegar até aí!

Reafirmo minha convicção que o individualismo corresponde ao atingimento da maturidade emocional, condição indispensável para o estabelecimento de relações afetivas de qualidade e também o surgimento de um efetivo avanço moral entre nós. Essa é a boa notícia que deriva das dramáticas e nem sempre adequadas mudanças que temos acompanhado nos últimos 49 anos. Espero que tenhamos tempo para vê-la florescer, o que só acontecerá se o mundo não acabar justamente em mais uma guerra entre o “bem” e o “mal”!

Do jeito certo, Simplesmente Feliz

Acurado artigo de Thiago Mendanha.

A maioria dos religiosos subestima a simplicidade. Com seus adereços sagrados, indumentária distinta, termos e expressões próprias, intensa dedicação em belos rituais, nobres costumes e tradições requintadas eles se perdem da sutileza Divina. Ignoram a afabilidade do Pai e o Espírito singelo do Filho.

Um dos grandes perigos dos usos e costumes é que tais são muito passíveis de sobrepor o valor das pessoas. O pragmatismo religioso tende a visar não o envolvimento de amor com os perdidos, mas, a buscar tão somente os efeitos práticos desse envolvimento. Dessa maneira muda-se o foco das pessoas para o resultado advindo delas.

E quanto mais perto dessa mentalidade, menos práticos – por mais paradoxo que possa soar – e simplórios nos tornamos ao travar uma relação interpessoal. Quando nossas atitudes convergem na única prédica que é receber algo em função de um relacionamento, nosso comportamento equivale ao retinir do metal. Não haverá amor nem doação de nossa parte à outra pessoa porque não intentamos simplesmente amá-la, mas conseguir, da mesma, algum resultado esperado.

Queremos ser felizes em nosso contato fraternal. E equivocadamente tentamos conseguir isso de forma hipócrita e egoísta. Afirmamos a nós mesmos – por dever à consciência cristã – que amamos o próximo, mas, bem sabemos que o verdadeiro objetivo desse “amor” é alcançar alguma coisa por essa pseudodoação de nós mesmos à outrem. Os religiosos tentam ser felizes quando relacionam-se com os perdidos porque esperam desse contato “efetivo” uma conversão em potencial – leia-se um efeito proselitista.

E essa dissimulação relacional nao infere apenas na realidade religiosa, mas, também em todas as esferas da nossa vida. Ansiamos alcançar a felicidade às custas do próximo camuflando nossas relações com aparência de altruísmo. Nos casamos esperando que o outro nos faça feliz. Tornamo-nos amigos esperando beneficiarmo-nos da amizade. Pregamos o Evangelho esperando satisfação no proselitismo do outro.

 E essa atitude invade o campo da relação com Deus manifestando-se através de barganhas e mimos. Não isentamos o próprio Deus de nossa imaturidade egoísta e lançamos sobre Ele a responsabilidade de nos pagar o tempo, dinheiro e energia gastos em oração, em jejum, em campanhas, em máscaras puritanas e contribuições vazias de neutras intenções.

Queremos ser felizes. Mas, exaurimos o outro para que alcancemos tal objetivo. Sugamos o carinho, a atenção, a disposição, a lealdade, o amor, o dinheiro, a admiração, o talento e a amizade dos outros para nós mesmos de forma a nos saciarmos. O outro é apenas um meio que proporciona-nos um pouco de felicidade.

Mas, jamais o afirmamos isso a eles. E com certeza muito menos a nós mesmos. Mas, é fato que, quando não temos o caráter de Cristo estabelecido em nossa personalidade, somos usurpadores e impostores que valem-se de qualquer coisa e de todos para que sintamo-nos felizes. E, então, tornamo-nos seres complexos, cheios de dissimulação, de omissões e mascarados. Perdemos a simplicidade de amar somente.

E por isso não somos de fato felizes. Primeiro porque Cristo não habita plena e integralmente em nós. Depois porque não podemos ser felizes esperando que isso venha do próximo. Como se fosse obrigação dele nos fazer feliz por ser nosso amigo, nossa esposa ou eposo, nosso pai ou mãe. Só aprenderemos a felicidade quando percebermos que é quando despojamo-nos pelo próximo que somos “mais que felizes”.

Seremos felizes quando conseguirmos inverter nosso papel egoísta nas relações com o próximo. E ao invés de esperar que ele nos faça feliz, faze-lo feliz primeiro. E tornar esse o objetivo majoritário de qualquer relação fraternal, conjugal… social. Fazer o outro feliz sem esperar que o mesmo tenha a mesma concepção que você. E, portanto, não ter expectativas de receber nada em troca.

Evangelize pensando em fazer o perdido feliz com as boas novas de Cristo. Case-se pensando em faze-la(o) a pessoa mais feliz do mundo. Faça um amigo por acha-lo interessante e querer contribuir com sua amizade. Cultive as amizades esperando doar-se e servir ao invés de ser servido. Honre ao invés de esperar ser honrado.

Quando alcançarmos tal nível de consistência em nosso jeito de ser, refletindo a imagem de Cristo, teremos alcançado não a felicidade crônica, mas, os momentos felizes que temperam a vida.

NOTA DO PERSEVERANTE:

Eu simplesmente acrescento, estas palavras do Apóstolo Paulo e do Nazareno:

"E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens."
- Colossenses cap 3 ver 23,

"E como vós quereis que os homens vos façam, da mesma maneira lhes fazei vós, também.."
- Lucas cap 6 v 31, Bíblia Revista e Corrigida de Almeida